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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº41    Julho 2001

Cultura

GENTE & LIVROS

Timothy Findley

“... Eu sou mais velho que as montanhas atrás daquelas janelas, e como os vampiros que desprezo vivi muitas vezes, Dr. Jung. Quem sabe, como Leda posso ter sido a mãe de Helena... ou, como Ana, a mãe de Maria. Uma vez fui Oríon, que perdeu a visão e voltou a recuperá-la. Fui também um pastor estropiado, ao serviço de Santa Teresa de Ávila; um moço de estrebaria irlandês e um fabricante de vitrais em Chartres. Estive nas muralhas de Tróia e testemunhei a morte de Heitor. Vi a primeira representação de Hamlet e a última representação de Molière, o autor. Fui amigo de Oscar Wilde e inimigo de Leonardo... sou homem e mulher. Não tenho idade e não tenho acesso à morte”.

in O Peregrino

Timothy Findley, escritor canadiano, nasceu em Toronto a 30 de Outubro de 1930. Desde sempre quis ser artista. Começou por estudar dança, tornando-se depois actor. Nos anos 50 actua com Sir Alec Guiness no Festival de Stratford. Este aconselha-o a ir para Londres estudar teatro. Aí torna-se amigo da actriz Ruth Gordon e do escritor Thornton Wilder que o incentivam a escrever. Após a publicação do seu primeiro conto, desiste de ser actor e dedica-se à escrita. As suas duas primeiras novelas foram rejeitadas pelas editoras do Canadá e só publicadas em Inglaterra. O seu primeiro sucesso literário surgiu com The Wars (1977) que ganha o Governor General´s Award para ficção e é adaptado para o cinema em 1981.

Escreve peças de teatro, guiões para televisão, cinema e rádio. Findley acredita como escritor ter a responsabilidade de denunciar o que está mal na sociedade. Faz parte da associação Artistas Contra o Racismo. Ajudou a fundar a União de Escritores do Canadá e foi presidente da delegação canadiana do P.E.N. International.

É o único autor que recebeu por três vezes o Prémio da Associação Canadiana de Autores (na categoria de ficção, não ficção e teatro). É oficial da Ordem do Canadá e Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras em França.

O autor divide a sua vida entre Ontário, Canadá, e o Sul de França.

Na sua bibliografia contam os títulos: The Wars (1977), Headhunter (1933), The Piano Man´s Daughter (1995), You Went Away (1996), Dinner Along the Amazon (1984) e Pilgrim (1999).

O Livro. O Peregrino. Em 1912, após a sua última tentativa de suicídio, Peregrino dá entrada numa clínica psiquiátrica suíça. O homem que não consegue morrer é assistido por Jung, o discípulo de Freud, mas ele recusa-se a falar. Sybil, a sua única amiga, entrega ao Dr Jung os diários de Peregrino. Eles relatam “as suas vidas” onde posou para Leonardo Da Vinci, foi protegido por Santa Teresa Ávila e amigo de Oscar Wilde… Peregrino será o maior desafio da vida de Jung.

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

Novidades

EUROPA-AMÉRICA. A Europa-América, na sua colecção Aventura & Viagens, publicou A Esmeralda dos Garamantes de Théodore Monod. Escritor, filósofo, naturalista, Théodore Monod foi essencialmente o “viajante compulsivo” que sofre o apelo da distância. «No fundo, terei sido um dos últimos viajantes sarianos do período do camelo. Uma secreta melancolia agarra-se às coisas que morrem quando as amámos muito. Evidentemente, é preciso saber fechar os parêntesis, aceitar ser substituído, saber, em bicos dos pés e de forma discreta, desaparecer nos bastidores».

 

PIAGET. O Instituto Piaget inaugurou uma nova Livraria e Delegação na cidade do Porto.
Durante o evento, foi apresentada a obra Poeta Deus Adão de António Oliveira Cruz.
António Oliveira Cruz é director da Divisão Editorial do Instituto Piaget e da revista internacional Aprendizagem/Desenvolvimento. Escreveu vários artigos científicos e pedagógicos e o livro A Teoria de Piaget e os Mecanismos de Produção da Ideologia Pedagógica. O autor escreve poesia desde os 13 anos e editou pela primeira vez em 1988.

 

ASSÍRIO & ALVIM. A Assírio & Alvim publicou uma antologia da obra do poeta Ruy Belo, Todos os Poemas. De poeta para poeta, Eugénio de Andrade fala de Ruy Belo, na revista Phala «Passo lentamente os olhos pelo álbum de fotografias de homenagem a Ruy Belo e vêm-me saudades daquele que foi uma presença rara e transparente da poesia do nosso tempo (...) Tenho saudades do Ruy: são poucas as pessoas de quem tenho saudades, poucas as que resistiram à vaidade do mundo. A verdade parece um anacronismo. E não só é verdade, talvez a própria poesia...».

 


 

BOCAS DO GALINHEIRO

O compromisso de Elia Kazan

Ao vermos um dia destes num canal do cabo “Há Lodo no Cais” (On the Waterfront),1954, ficou-nos a vontade de dedicar estas linhas ao seu realizador, Elia Kazan.

Sobre este filho de emigrantes gregos que muito cedo foi para a América, tinha 4 anos, muito se tem dito. Nem sempre o melhor. Sobre ele escreveu Olivier-René Veillon no seu Dicionário de Cinema Americano (Os anos cinquenta): “Hábil entre os hábeis, Elia Kazan sabe que até a abjecção se pode fazer sedutora, que a mentira e o ódio podem ganhar adesão e alimentar entusiasmo, que todos os arranjos são possíveis, especialmente os piores. A sua inteligência de homem de cinema é tão profunda que da sua confusão moral nada escapa ao encantamento da sua encenação, como se tudo aquilo que ele não pudesse ocultar servisse de matéria a um lirismo salvador. Cada um dos seus filmes leva um pouco mais adiante a pergunta: até onde pode o artista trair?”.

Formado na Yale School of Drama, esteve desde o início ligado ao teatro, juntando-se em 1932 ao Group Theatre de Nova York, como actor, enquanto no cinema era assistente de Ralph Steiner na Frontier Films. Mais ligado ao teatro, veio para o cinema a tempo inteiro depois da 2ª Guerra Mundial. Após esporádicas aparições como actor em “City of Conquest” e Blues in The Night”, iniciou-se como realizador pela mão de Daryl F. Zanuck na Fox, cedo criando reputação de exímio director de actores e na abordagem de problemas sociais actuais na época, de que são exemplos os seus primeiros filmes “A Tree Grows in Brooklin” (1945) e “Boomerang” (1947). Mas, é com Gentleman’s Agreement” (1947) e “Pinky” (1949), que Kazan inicia o que em Hollywood ficou conhecido como “problem pictures”. “Gentleman’s Agreement”, vencedor dos Oscares para o melhor filme e melhor realizador, foi uma das primeiras produções de Hollywood a abordar o anti-semitismo, ao passo que “Pinky” focava problemas raciais.

“A Streetcar Named Desire” (1951) é outro dos grandes êxitos de Kazan até à sua queda em desgraça, por via das denúncias que fez ao Comité das Actividades Antiamericanas, a tristemente célebre “caça às bruxas” do senador McCarthy. Redime-se com “On The Waterfront”, produção com que volta aos Oscares, oito, onde se incluem os de melhor filme e melhor realizador. Com argumento de Bud Schulberg, baseado em artigos de jornal de Malcolm Johnson, “Há Lodo no Cais” é a história de Terry Malloy, magnificamente interpretado por um Marlon Brando, Oscar para o melhor actor, um ex-boxeur que sem o saber é usado para atrair para a morte um jovem estivador que ousou desafiar o chefão do sindicato. Um filme onde se faz a denúncia da corrupção nos sindicatos e do seu domínio por parte dos gangsters. Um filme essencial, de Kazan e na história do cinema. Libelo acusatório, é também o retrato de um homem exprimindo a sua raiva, fora do sistema, marginal, tal como Kazan. Um filme onde perpassam todas as convicções e ideias do seu autor e onde o método de interpretação, junto com um cenário realista das docas o torna único, na transmissão de sentimentos e na formação/mutação de mentalidades.

Nos seus filmes é notória a combinação do neo-realismo com a representação natural, fruto do trabalho no Actor’s Studio que fundou em 1947 com Lee Strasberg. Ao “método” foi buscar James Dean para “East of Eden” (1955), Carol Reed, “Baby Doll”, (1956), Andy Griffith, “A Face in the Croud (1957) e Natalie Wood e Warren Beaty para “Spendor in the Grass”( 1951), qualquer delas obras de referência na carreira deste realizador de excepção. Para atestar a sua mestria na direcção de actores, lembre-se que Kazan dirigiu 21 nomeados para os Oscares, dos quais 9 receberam a cobiçada estatueta!

“Um rosto na Multidão” (A Face in the Croud), de 1957, é outro dos grandes filmes de Kazan, e aquele onde leva mais longe a crítica a um certo meio, o da propaganda, da encenação política como meio de ilusão das massas, mas, acima de tudo, o papel dos media na sociedade, a “força” do “quarto poder”, tema que hoje é discutido com redobrado interesse face às “novas” televisões e outros meios de comunicação, o que prova que Kazan via longe. Quarenta e alguns anos depois, o filme ganhou actualidade. No fundo, uma reflexão sobre a natureza humana. A tentação da ascensão fácil, a megalomania, quase sempre aliada à falta de escrúpulos e à demagogia.

“The Arrangement” (O Compromisso), de 1969, corresponde já à fase terminal, por sua iniciativa, da carreira cinematográfica de Kazan. Mal recebido pela crítica, terá precipitado a prematura “reforma” do realizador. Depois de “América, América”, de 1963, fresco autobiográfico sobre a emigração da sua família para os states, Kazan retoma em “O Compromisso” as suas origens e o seu percurso, num filme autobiográfico, adaptando mais uma vez uma novela da sua autoria. Um filme amargo, mas de um lirismo acentuado, na procura da outra oportunidade, da vida que não se viveu. Tal como o protagonista, também Kazan perdeu muito quando deixou o cinema, com as denúncias ao HUAC, mas soube voltar, em grande e quando ninguém o esperava com a adaptação de Harold Pinter do romance de F. Scott Fitzgerald “The Last Tycoon (1976). Afinal, se calhar. O que é preciso é saber aproveitar a “outra oportunidade”. E Kazan sempre o soube: o seu compromisso era com o cinema!

Luís Dinis da Rosa

 


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