CRÓNICA
Renovador me confesso
Benvindos à conferência, domésticos comentadores políticos, gazetas de todas as orientações filosóficas e religiosas, associação de antenas e comprimentos de onda, quero aqui e já prestar o meu depoimento.
Na verdade, não me revejo em qualquer das correntes em voga. Sou de opinião divergente, de outra sensibilidade, por assim dizer. A renovação comunista pulsa-me nas veias e não suporto calar-me. O mesmo é dizer: estou ansioso que escutem e reconheçam que, se alguém mais disser o mesmo, mais do que evidente plágio, passível de outro juízo, o registo da presente tese será sempre e inequivocamente meu.
É verdade: já defendi outras orientações. Fui ortodoxo até ao momento desesperante em que todos vós achastes o meu discurso uma correia de transmissão, uma cassete. Desisti, obviamente. Não se inclui nos meus neurónios o original pecado de Abel e Caim, ou, como agora se diz, da clonagem, para os que ainda não encararam o assunto desta perspectiva.
Fui de uma oblíqua plataforma, por vossa sugestão e, embora não me sinta um vira casacas ou capaz de mudar ao sabor de modas melhor ou pior remuneradas, a verdade é que me deixei levar para essa tendência tão vasta de conteúdo como promíscua e, acima de tudo, contrária à verticalidade por mim sempre defendida.
Não vos desejo, de modo algum, um tão violento despertar para a verdade dialéctica e materialista, que, como bem sabeis, é relativa e disso não tem culpa, mas tem necessariamente que ser equacionada com a vida de cada um e esta é efémera.
Se de início a minha voz foi incipiente, monocórdica, apagada, a voz que todos tinham, passou a ser a palavra mais sentida, majoritária, a que todos gostariam de ouvir e não ouviam, por culpa de meia dúzia de fósseis embutidos nas cadeiras do poder partidário.
Para vos ser franco, tal é a mesma coisa. Senti de novo a crise interior, o vazio existencial, a falta de afirmação pessoal, ou como, agora se diz, a auto-estima, que remove montanhas e se abate sobre os demais como a espada dum arcanjo ou a língua ecléctica do espírito santo.
As vossas análises, as saborosas crónicas das vossas doutas penas, levaram-me à falência de convicções profundas. Militei muitos lustres em escuridão profunda, cinzas, veredas escabrosas, subterrâneos de muita espécie e feitio.
Porém, depois de muito estudo e meditação, após longos serões debruçado no labirinto do vosso sábio alfabeto - o sânscrito, concluí, é para vós um iletrado bebé de mama - tirei-me finalmente de teimas e abracei com braços ambos a teoria da relativa certeza, também conhecida pela metáfora se não foste tu, foi o teu pai, dramatizada de uma forma magnífica pelo cordeiro que, bebendo a jusante, conspurcava a água que o lobo fingia beber a montante.
Aplaudo assim a distinta honra concedida. Posso mesmo aqui deixar o meu apreço, quiçá imerecido, pelo vosso empenho e denodo em salvaguardar-me esse nobre e porventura indelével epíteto, de pai da quinta via, terceiro esquerdo, ou moderno, revisto e ampliado Dühring, sobrenome conhecido nos tempos de antanho, quando antecedido pelo nome de baptismo de
Anti.
João de Sousa Teixeira
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