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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº35    Janeiro 2001

Cultura

GENTE & LIVROS

Fernando Pessoa

Liberdade

Ai que prazer 
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada
Estudar é nada.
O Sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal, 
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta
Estudar é uma coisa onde está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada e finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando António Nogueira Pessoa, filho de Joaquim de Seabra Pessoa e de Maria Madalena Pinheiro Nogueira, nasce em Lisboa a 13 de Junho de 1888. O pai morre-lhe aos cinco anos e a mãe volta a casar, em 1894, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul interino em Durban.

Parte com a mãe e o padrasto para a África do Sul onde vive até aos dezoito anos. Aí estuda no Covento de West Street e mais tarde na High School de Durban. Obtem o Prémio Rainha Vitória com um ensaio de inglês para concorrer à Universidade do Cabo. Aos dezasseis anos lê os grandes poetas e pensadores ingleses: Edgar Poe, Byron, Shelley, Milton, Pope, Keats, Carlyle. 

Aos dezoito anos volta a Lisboa onde frequenta por um breve período o Curso Superior de Letras. Monta uma tipografia-editora “Empresa Íbis”, da qual também desiste. Dedica-se a tempo parcial à tradução de correspondência estrangeira de várias casas comerciais. O resto do tempo dedica-o à escrita.

Faz amizade com os escritores vanguardista da sua geração: Mário de Sá Carneiro, Santa-Rita Pintor, Amadeo de Sousa Cardoso entre outros. Em 1914, «para fazer uma partida a Sá-Carneiro», cria o seu primeiro grande heterónimo, Alberto Caeiro. Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro e outros poetas e artistas plásticos, lançou a revista Orpheu, marco do Modernismo português e símbolo de um ideal isotérico, partilhado por todos eles. A 26 da Abril de 1916 o seu melhor amigo, Mário de Sá-Carneiro suicida-se em Paris e dois anos depois morrem Santa-Rita Pintor e Amadeo de Sousa Cardoso.

Em Janeiro de 1920 conhece Ophélia Queiróz com quem inicia uma relação sentimental, interrompida nesse mesmo ano e logo retomomada. Essa relação termina definitivamente em 1929.

Em 1934 concorre com Mensagem a um prémio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou o primeiro prémio na categoria B.

Colaborou ainda nas revistas Exílio (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926), Athena (1924-1925) e Presença.

Os heterónimos de Pessoa foram concebidos como individualidades distintas da do autor, que lhes criou uma biografia e até um horóscopo próprio. Deles se destacam três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Caeiro é o mestre,«o único poeta da natureza», passa a sua vida numa quinta do Ribatejo e morre tuberculoso em Lisboa. Ricardo Reis nasceu no Porto em 1887, é médico, embora não exerça e tem uma formação clássica. Pagão intelectual, comunga de uma filosofia epicurista que se reflecte na sua poesia. Álvaro de Campos, homem viajado, formou-se em engenharia mecânica e naval. Poeta da vanguarda, é o autor da Ode Triunfal .

Vitimado por uma crise hepática, Pessoa morre a 30 de Novembro de 1935.

Considerado, por estudiosos da sua obra, um poeta “profundamente intelectual” e por outros “espiritual”, Fernando Pessoa consagra a sua vida a uma obdiência Superior, a uma missão que cumpre, escrevendo.

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Novidades

EUROPA-AMÉRICA. As Publicações Europa-América editaram Peregrino, do escritor canadiano Timothy Findley, e vencedor do prémio literário Whitbread Prize. O Peregrino é um personagem misterioso que afirma atravessar o tempo sem por ele ser destruído, diz-se Imortal. No dia 12 de abril de 1912 dá entrada numa Clínica Psiquiátrica em Zurique, onde é observado por Jung, discípulo de Freud. São estas as palavras do peregrino: «Vivi muitas vezes Dr. Jung .Quem sabe, como Leda posso ter sido a mãe de Helena - ou, como Ana, a mãe de Maria... também fui um pastor estropiado ao serviço de Sta. Teresa de Ávila...».


DOM QUIXOTE. As Publicações Dom Quixote editaram o Xadrez Mágico de Sérgio Rocha, João Coelho e Luís Morais. A Obra é vocacionada para as crianças, para a sua iniciação ao xadrez. O livro começa com uma breve história da modalidade, a composição do tabuleiro e uma apresentação de cada uma das peças. O movimento do rei, dama, bispo, torre, cavalo e peão bem como as jogadas são explicados de uma forma simples e pedagógica, como convêm ao publico a que se destina. O livro inclui também exercícios de xadrez e é sempre apoiado por boas ilustrações.

 


 

BOCAS DO GALINHEIRO

Preminger, realizador multifacetado

Otto Preminger, nascido em Viena em 1906, exilado nos Estados Unidos desde 1935, a ameaça nazi a tal o obrigou, é um dos realizadores mais difíceis de catalogar, tantos os estilos que a sua multifacetada carreira abarca. De “Laura”, para ele o seu primeiro filme, a “O Factor Humano”, este, efectivamente o último.

Em período de eleições (à hora que escrevemos este texto ainda não se tinha ido a votos), em que tanto se fala de políticos e da sua dispensabilidade, como se tal fosse possível (?!), vem-nos à memória “Tempestade Sobre Washington” (Advise and Consent), de 1962, onde Preminger aborda o mundo da política com todos os seus tiques e vícios: a manipulação, a intriga, a corrupção e a mentira. E fá-lo da melhor maneira, revelando toda a sua capacidade dramática, que aqui atinge um dos pontos mais altos da sua filmografia, e que se manifesta em todos os elementos da sua encenação, com um emprego magistral dos interiores do Senado e da sala de audiências de uma comissão nomeada para se pronunciar sobre a indigitação de um senador suspeito de ligações comunistas na sua juventude. É a luta feroz na defesa de posições extremadas, mordaz e criticamente dilaceradas por Preminger, atacando o sistema num dos seus aspectos que à época o definia: o anti-comunismo primário que teve o seu culminar na célebre caça às bruxas e das, de má memória, comissões de inquérito dos senadores Kefauver e 
Mac Carthy, cuja incidência no mundo do cinema foi notória.

Quando se decidiu pela produção independente, Preminger iniciou aquilo a que se poderia chamar o processo das instituições americanas. Com “Ingénua até certo ponto” (The Moon is Blue), de 1953, versão cinematográfica da peça que dirigiu na Broadway, introduziu palavras nunca ouvidas nas telas, como virgem, amante, etc., acabou por passar à História, não por uma especial grandeza fílmica, mas, acima de tudo, pela querela entre Preminger e a censura. A “The Production Code Administration of The Motin Picture Association of America”, a comissão de censura, recusou apor o visto no filme sem que lhe fossem feitos alguns cortes, nomeadamente nos diálogos. O Supremo deu-lhe razão e um filme com uma história banal , aos olhos e ouvidos de hoje, tornou-se um marco. Em “Anatomia de um Crime” (1959), para além de introduzir vocabulário também fora do permitido pelo Código Hayes, teve a ousadia de pôr James Stewart a exibir em pleno tribunal as calcinhas de Lee Remick.

Em “O Homem do Braço de Oiro” (The Man With the Golden Arm), de 1955, o tema é a droga e a toxicodependência. Mais uma vez os costumados ataques da censura ao cineasta e, também mais uma vez, Preminger a dar a volta por cima. O filme foi mesmo um grande êxito de bilheteira. E com razão. Estamos seguramente perante um dos seus melhores filmes. Abordando frontalmente o problema, numa altura em que ainda se estava longe (ou não?) de imaginar as proporções que viria a ter, Preminger fá-lo duma maneira lúcida e sábia. A começar pelo clima denso e pesado que dá ao filme, passando por uma segura e magistral direcção de actores, de que se destaca Frank Sinatra, com uma interpretação portentosa e que lhe valeu a nomeação para o Oscar de melhor actor que perdeu para Ernest Borgine em “Marty”, de Delbert Mann. Mas, o racismo em “Carmen Jones”, (1954), a questão judaica em “Exodus” (1960), ou a religião e os bastidores do Vaticano dissecados em “O Cardeal” (1963) ou mesmo o conflito de gerações de “Bonjour Tristesse”, adaptação do romance homónimo de Françoise Sagan, são outros dos temas recorrentes deste cineasta, especialista em adaptações de best sellers.

“Laura” (na foto), de 1944, é o primeiro grande filme do autor - até aí havia realizado “Die Grosse Liebe”, ainda na Áustria, em 1933, e na América obras menores: “Under Your Spell” (1936), “Danger, Love at Work” (1937), “Margin for Error” (1943) e “In the Meantime, Darling” (1944) – e um dos títulos de referência do cinema negro, outro dos géneros onde Preminger se movimentou com grande à vontade. Basta lembrar “Anatomia de Um Crime” e “Angel Face”, de 1952.

“O Factor Humano”, de 1979, é o último filme de Otto Preminger. Nele o autor volta a revelar todo o seu talento, agora na maneira como lida com a teia de intriga e mentira que é a essência da espionagem, dando-nos uma visão fria e ao mesmo tempo irónica dos serviços secretos.

Neste, como noutros dos seus filmes, Otto Preminger nunca perdeu de vista uma das facetas mais caras a todo o seu cinema, ou pelo menos a grande parte dele: o desmascarar das instituições, pondo a nu os seus vícios e as suas fraquezas. Como faria o nosso Zé Povinho: Queres fiado? Toma!

Luís Dinis da Rosa

 


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