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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº36    Fevereiro 2001

Cultura

GENTE & LIVROS

Mário de Sá-Carneiro

Fim

Quando eu morrer batam em latas
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recursa,
E eu quero por força ir de burro!


Paris, 1916

“Sá-Carneiro não tem biografia, só génio”. (Fernando Pessoa).

Todavia, Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa em 1890. Aos dois anos de idade a mãe morre-lhe e aos quatro anos o pai começa a viajar frequentemente. É educado pelos avós e por uma ama numa quinta em Camarate. Em 1900 entra no Liceu do Carmo e inicia-se na escrita poética. Quando o pai regressa leva-o com ele numa viagem por Paris, Suíça e Itália. Em 1905 redige e imprime um jornal satírico escolar, O Chinó. Mas o pai impede-o de continuar a publicação por a considerar excessiva. Faz uma experiência como actor num recital em 1907 a favor das vítimas do incêndio da Madalena. No ano seguinte colabora com pequenos contos na revista Azulejos. Em 1909 é transferido para o Liceu Camões onde escreve juntamente com Thomaz Cabreira Júnior a peça Amizade.

Dois anos depois, matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra, não chegando a terminar o primeiro ano. Entretanto conhece e fica amigo de Fernando Pessoa. Vai para Paris com o objectivo de estudar Direito na Sorbonne, mas torna-se um boémio. Em 1913 escreve em parceria com António Ponce de Leão a peça Alma. A novela A Confissão de Lúcio e os poemas Dispersão são publicados em 14. De passagem por Lisboa projecta com Fernando Pessoa, outros poetas e artistas plásticos, a revista literária Orpheu. O primeiro número da revista, saído em Abril de 1915, esgota rapidamente e provoca enorme escândalo no meio cultural português. Nesse mesmo ano publica Céu em Fogo. Regressa a Paris, onde se agravam os seus problemas sentimentais e financeiros. A 26 de Abril de 1916 suicida-se num Hotel de Nice.

Para além das obras já referidas, foi autor da colectânea de contos Princípio (1914) e do volume póstumo Indícios de Ouro (1937). Em 1958 e 1959 são reunidas em dois volumes Cartas a Fernando Pessoa
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Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Novidades

DOM QUIXOTE. As Publicações Dom Quixote lançam no mercado português, Da Empresa Industrial à Empresa Inovadora, de Eurico Correia Neves. A obra aborda casos de sucesso, passos de progresso e traços de excesso de empresas nacionais a caminho da inovação. A propósito do livro fala o autor do prefácio, Daniel Bessa «Foi escrito com vontade e com paixão, provavelmente de um fôlego, como pode ser lido de um fôlego. (...) Foi também escrito com humor, e denotando uma cultura geral invejável: como se torna patente no sem-número de remissões para obras literárias e musicais de autores sobretudo do nosso tempo. É, por tudo isto, um livro de leitura extremamente agradável».

EUROPA-AMÉRICA. As Publicações Europa-América editaram História Geral do Diabo, de Gerald Messadié. Teria sido na Antiga Pérsia, há mais de 2600 anos, com a seita dos seguidores de Zoroastro, que surgia o Velho Inimigo de Deus. Ignorado pelas religiões politeístas foi no monoteísmo que se afirmou como suprema entidade do mal. É personagem de vários obras literárias D. Fausto de Goethe e D. Fausto de Thomas Mann, O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde , O Clube Dumas de Arturo Perez-Reverte, O Mandarim de Eça de Queiroz. Serve de inspiração a filmes de terror e realizadores como Roman Polansky - Carrie, Rosemary Baby. Adoptado por algumas bandas e adorado por grupos satânicos, o Diabo, desprezado, amado, ignorado ou temido “está na moda”. O autor é jornalista, investigador e autor de várias obras sobre religião, nomeadamente História Geral de Deus.

AGRICULTURA. A Câmara Municipal de Penamacor editou Sobre a Agricultura, Alfândegas, Colónias e outros textos, inéditos de Ribeiro Sanches. O livro está organizado por Faustino Cordeiro e tem prefácio de António Borges Coelho. Passados trezentos anos sobre o nascimento de António Nunes Ribeiro Sanches este livro vem contribuir para um melhor conhecimento do pensamento do autor. Como afirma José Luís de Oliveira Gonçalves « ainda hoje injustiçado no país que em vida o considerou espúrio, ao menos que a sua terra natal continue a contribuir para dar razão àqueles que, como Faustino Cordeiro, consideram que, para além dos heróis e guerreiros (...), outros existiram que merecem o nosso reconhecimento, pelo seu contributo para o progresso científico e luta por ideais de liberdade».

 


 

BOCAS DO GALINHEIRO

O pai de Frankenstein

Em 1999 o cineasta Bill Condon realizou “Deuses e Monstros”, adaptação de “O Pai de Frankenstein”, do escritor Christopher Bram, uma novelização dos últimos dias do realizador James Whale, encontrado morto na piscina da sua casa em Pacific Palisades, em 1957, em circunstâncias nunca esclarecidas, sendo o suicídio a mais apontada, a suspeita do crime passional foi deixada no ar. Uma justa homenagem a um autor injustamente esquecido, depois de uma fulgurante ascensão na década de 30 nos estúdios da Universal, onde fez filmes de referência do horror como são “Frankenstein”, de 1931 (na foto) e “A Noiva de FranKenstein”, de 1935. Mas, seria redutor falar de Whale apenas como realizador de filmes de terror.

James Whale nasceu em Staffordshire, Inglaterra, a 22 de Julho de 1896, tendo iniciado a sua carreira como cartunista no periódico The Bystander. Começa a fazer teatro em 1917, enquanto prisioneiro de guerra. Em 1918 podemos vê-lo na produção Abraham Lincoln, pela Birmingham Repertory Company.

Whale chega a Nova Iorque no final dos anos 200 com uma vasta experiência teatral como actor, decorador e produtor. Depois de uma colaboração com o excêntrico e milionário industrial Howard Hughes, em Anjos do Inferno(1930), realiza Journey’s End, segundo uma peça que já havia produzido em 1928, ainda em Inglaterra, com assinalável êxito, a que se segue, em 1934, Waterloo Bridge, onde aparece Bette Davies num pequeno papel. Depois, é o grande salto para a fama quando Whale entra para a Universal, do produtor Carl Laemmle, precisamente na época em que Tod Browning, o seu grande émulo, rodava Dracula, uma gloriosa etapa dos chamados horror movies.

Paralelamente, Richard L. Schayer, chefe do departamento de argumentos da Universal, encarregara o realizador Robert Florey de estruturar um guião baseado na novela saída da imaginação de Mary Shelley, mulher do poeta Percy Shelley, publicada em 1918 com o título Frankenstein e com o subtítulo de “O Prometeu Moderno”.Embora o nome de James Whale estivesse associado a películas do género bélico, quando o poderoso Carl Laemmle pensou nele para o projecto Frankenstein no verão de 1931. O realizador aceitou, mas com pouco entusiasmo. Mas aceitou. E, ainda bem, dizemos nós. Para o papel do monstro criado pelo dr. Henry Frankenstein foi escolhido o então pouco conhecido actor, mas com uma longa experiência de cinema, Boris Karloff. Aliás, foi a sua fabulosa interpretação neste filme que lhe granjeou a imortalidade. A ele e à personagem, uma referência e um caso exemplar de absorção do actor pela personagem. Já agora, e sem fugir do género, Dracula fez o mesmo a Bela Lugosi e a Chistopher Lee.

Bastariam apenas três obras para que James Whale tivesse um lugar assegurado na história da sétima arte. Para além de Frankenstein, O Homem Invisível (1933), com um magnífico estreante, Claude Rains, de que apenas ouvimos a estranha energia da sua voz e que só veremos, morto, no último plano, e A Noiva de Frankenstein, de 1935, novamente com Karloff e Elsa Lanchester, a noiva, que Whale dirige com um impagável sentido de humor.

É depois deste êxitos que James Whale passa a ser um cineasta de grande importância dentro da Universal, onde lhe é permitido escolher com completa autonomia os filmes que quer realizar. Não admira pois as suas incursões por géneros diversos, desde de The Old Dark House, uma noite de terror vivida por Raymond Messey, Charles Laughton e Boris Karloff, a Show Boat, um musical baseado na famosa opereta, que entre nós foi baptizado de Magnolia, o nome da protagonista, interpretada por Irene Dunne, passando por O Homem da Máscara de Ferro, de 1939, que marca a entrada do popular actor Peter Cushing para o cinema, naquela que terá sido a mais brumosa adaptação do romance de Dumas.

Como escreveu João Bernard Da Costa “não me parece haver exemplo mais apaixonante da fusão do imaginário plástico do romantismo alemão, com o imaginário plástico do romantismo inglês como o que se encontra na obra do realizador a quem Tom Milne chamou One man crazy”. Um universo que se apoderou do realizador que, à medida que a fama o abandonava, se abandonou na pintura, outra das suas grandes paixões. Morreu nas circunstâncias pouco claras que descrevemos. Ter-se-á suicidado, é o mais certo. Pois se foi, nem na morte deixou de nos presentear com uma dose desse gótico e macabro humor que adornou a sua filmografia. Bem feito!

Luís Dinis da Rosa
com Joaquim Cabeças

 


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