CRÓNICA
Que terra é esta?!

O Jordi é um amigo catalão. Raramente se expressa em castelhano, embora as circunstâncias lhe tivessem imposto estudar nessa língua da desgraçada Hispania / de belo nome, rosa/ de minúsculas pátrias! (Francesc Vallverdú). Prefere, ao contrário da maioria dos nuestros hermanos, tentar o português, que diz ter muitos vocábulos semelhantes na sua língua, para melhor se aproximar e fazer-se entender. Eu não sei se isso é bom, mas sei que a sua intenção era ser simpático e agradável, sobretudo quando falávamos da poesia portuguesa e catalã e ouvíamos, com o volume quase em baixo, as canções de Joan Manuel Serrat, não fosse o som despertar os diabos ainda mal adormecidos, que nesse tempo nos ocupavam quase todos os sentidos.
Disse-me há pouco tempo, que, se fosse português, o seu nome seria Jorge, como o Presidente da República, e foi tão solene a sua comparação onomástica, que passamos uma noite inteira rindo, a troçar do despropósito.
Talvez fosse mais comovente falarmos das lágrimas de D. Juan Carlos de Espanha no funeral da nobre progenitora, ou divertido se discutíssemos o desempenho do Barça na primeira liga. A verdade é que não entendemos patavina de tais mistérios e queremos lá saber do que diz que disse!
A nossa amizade foi cimentada num tempo em que a dor catalã encontrava, e em muitos e essenciais aspectos encontra ainda, paralelo em demasiados recantos ibéricos: o tempo da ditadura fascista; o tempo da repressão cultural e política castelhanas de Franco, que, por ironia, era galego.
Então, as notícias eram escassas, clandestinas a maior parte, mas nem por isso menos sentidas. A solidariedade era uma palavra de ordem com significado e o peso de uma luta comum; não tinha senha de presença, consumo obrigatório ou patrocínio comercial altruísta a descontar nos impostos.
Provavelmente saturo-vos com estas pieguices substantivas. Também as palavras vão tomando novas qualidades, e na sociedade global já não há lugar para palavras/sentimentos simples, como noutro tempo, o entendimento bilingue representava já uma comunhão internacional de sentimentos, de vontades e de esforços. Ser solidário hoje é o que a net (rede) trouxer à tona, o que os audiovisuais quiserem meter-nos pelos olhos dentro. Há hoje quem se preocupe em exclusivo a talhar-nos para a comoção mediática, a notícia dramática ,a lágrima de crocodilo e desta forma vamos dando conta de solidariedades domésticas em jeito de pós-de-maio.
É assim que nos tornamos facilmente simpáticos, adeptos incondicionais, viscerais inimigos, árbitros de alcova, de acidentes mais ou menos dramáticos, de concursos capazes de enaltecer a estupidez do ser humano até à auto-humilhação inconsciente (?).
Nostalgia bacoca e inconsequente? Não. Direi que se trata de valores diferentes, o próprio cérebro discorrendo e as mãos estendidas sem intuitos de recompensa. Dito assim parece ridículo, mas é certamente mais humano.
Jordi nasceu em Manresa, perto de Barcelona. Dá-me um certo prazer dizer isto, apesar de preferir que ele fosse meu conterrâneo, por que gosto dele. Compreendo-o quando maldiz da sua terra e dos seus. Com alguma frequência faço o mesmo. Não somos, por assim dizer, de amar com três pedrinhas na mão, mas dizemos muitas vezes como Maragall: Home só i és humana ma mesura, isto é, sou homem e humana é a minha medida.

João de Sousa Teixeira
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