PREVISÕES DEMOGRÁFICAS
PARA PORTUGAL E ESPANHA SÃO NEGRAS
Uma Península de meia
idade

Portugal e Espanha são dois países tradicionalmente conhecidos como focos de emigração, mas que agora passaram a ser países receptores, numa altura em que a sua população envelhece rapidamente, a fecundidade é muito baixa e a taxa de mortalidade aumenta, porque calendário e o inexorável fluir do tempo não perdoam.
A verdade é que os imigrantes que hoje chegam à Península são necessários para manter a força de trabalho e para alimentar uma Segurança Social cada vez mais periclitante, devido ao aumento exponencial de reformados. Porém, tal como os emigrantes portugueses e espanhóis tiveram dificuldade de adaptação e nem sempre foram bem recebidos, hoje são os imigrantes de África e de Leste que são alvo desses problemas em território luso e castelhano.
Mas essa posição terá de ser alterada, pois, de acordo com estudos de demografia, as previsões apontam para que, só nos próximos 20 anos, a Espanha irá perder cinco milhões de pessoas activas, o que é demasiado numa população total que ronda os 40 milhões de habitantes. Uma previsão do presidente da Associação de Demografia Histórica, David Reher, que este mês esteve em Castelo Branco, no VI Congresso daquela Associação.
De origem norte-americana, David Reher é professor catedrático na Universidad Complutense de Madrid e, em entrevista ao Ensino Magazine, afirma que hoje a demografia histórica é importante a diferentes níveis. “A demografia histórica é importante dentro da história e nas implicações que pode ter para a compreensão da sociedade actual. Já antes dos anos 50 nasceu o que é hoje uma tradição em estudos de demografia histórica, porque se considerou que estudar a população era uma forma de entender a dinâmica das sociedades do passado”.
Hoje, a demografia histórica é muito bem aceite, ao nível da história económica, da história social ou da história da família. “Os historiadores ligados à economia, sociedade e família respeitam-nos muito e animam-nos. Às vezes há desaguisados com os investigadores de história política, porque pensam que são os únicos conhecedores da História. Mas isso vai acontecer sempre”.
ACTUALIDADE. A demografia histórica permite também compreender a actualidade. “O factor população nas sociedades actuais, como a Espanha e Portugal do início do século XXI, tem enorme importância, porque há vários problemas populacionais, como a baixa fecundidade, o envelhecimento da população, as migrações, entre outros. Em suma, a população sempre teve um papel fundamental em qualquer sociedade, seja do século XVIII, seja do século
XX”.
Por essa razão explica que os investigadores de demografia histórica aprenderam muito com os sociólogos e economistas, os quais também dão hoje muita importância à demografia histórica. “Nós conseguimos contribuir com algo que faz falta. Por exemplo, sabemos que há factores que influíram decisivamente na queda da fecundidade em Portugal. Factores que vêm dos anos 70. A alta taxa anterior estava relacionada com um regime em Portugal que promovia uma elevada comunidade”.
A técnica será partir do princípio que nunca há mudanças repentinas. Todo o processo de mudança em matéria de população acontece ao longo de um tempo, pelo que é algo que tem de ser visto em perspectiva. A título de exemplo refere uma intervenção de Maria João Guardado Moreira, feita no primeiro dia do Congresso, acerca da evolução da população nas regiões de fronteira de Portugal e Espanha, com base em dados dos anos oitenta e noventa.
“Este trabalho chamou de imediato a atenção dos presentes, que procuraram semelhanças com o passado. É que o passado influi no presente, mas o presente também influi no passado e de muitas maneiras. A Maria João seguiu um método e sofreu uma influência metodológica. Mas há outras influências. O tema do envelhecimento, que se nota hoje em Portugal e Espanha, está a motivar os historiadores a olharem para a velhice, que até agora tinha sido um grupo pouco estudado”.
PREVISÕES. Se o passado influi no presente e vice-versa, será possível estabelecer algumas previsões em termos de demografia. “É muito difícil, mas há sempre um efeito duradouro. Posso prever, com bastante confiança, quantos estudantes vão estar na universidade vão estar na Universidade dentre de 20 anos porque sei quantas pessoas nasceram. É certo que não se pode controlar as migrações, mas é possível ter uma ideia muito aproximada”.
A segurança nas afirmações existe mas sempre em termos gerais. A nível do Portugal e Espanha, pode-se dizer que estamos “a entrar num rápido envelhecimento da população, onde o peso dos aposentados vai crescer muito e colocará à prova a Segurança Social. E sabemos isso porque basta olhar para as pirâmides etárias”. Outra previsão segura para os dois países será a redução da força de trabalho dentro de alguns anos. “Será uma redução muito grande, ao ponto de, dentro de 20 anos, em Espanha, a força de trabalho terá menos cinco milhões de pessoa do que tem agora”.
Estas constatações da demografia interessam transversalmente todas as pessoas com poder de decisão ao nível político, económico e social, porque será preciso tomar medidas. “Uma solução normal é que a idade de reforma seja cada vez mais tarde. Isso é certo. Agora ainda não porque os sindicatos não deixam. Outro efeito será o aumento da actividade económica da mulher. O terceiro remédio é o da imigração, com todas as vantagens e desvantagens que acarreta”.
Em relação à taxa de fecundidade existem menos certezas. “Pensamos que a fecundidade continuará a ser baixa, não tanto como agora, já que deverá subir ligeiramente. Isso tem a ver com as prioridades dos casais em relação a ter filhos”. Olhando a estas previsões, aquele catedrático entende que “a leitura do futuro a partir da população actual em Portugal e Espanha, mantendo-se o sentido actual, não é nada optimista. Diria que há nuvens negras no horizonte”.
IMIGRAÇÃO. Um dos temas que agora têm preocupado também os investigadores reside na imigração. “Os estudos históricos sobre as migrações têm muito a dizer. Portugal foi um país de emigração por excelência e os estudos sobre essa emigração mostraram os problemas de integração dos portugueses nas regiões de destino. Isso é o que acontece agora, com a diferença que Portugal é um país receptor, tal como sucede com Espanha”.
Interessaria, por isso, estudar esta imigração, para tentar perceber que efeitos poderá ter, o que parece não estar a ser feito. “Em Espanha vive-se uma espécie de terror popular e político perante a chegada massiva de imigrantes pela primeira vez na história. Há uma grande preocupação. Por isso existem menos estudos de qualidade científica, acerca dos processos de imigração actual, em relação aos que deveria haver. Há pouca gente a estudar, por exemplo, os laços mantidos pelos imigrantes marroquinos em Espanha com as suas famílias de origem”.
Seja como for, a História estudou os laços mantidos por emigrantes com as suas famílias que ficaram no País de origem e concluiu que esses mesmos laços existem e são fortes. “Nós, enquanto historiadores, sabemos que é importante estudar esses laços para entender o fenómeno das migrações. Só que agora há muito medo da imigração. Mas o papel dos historiadores não deverá ser de medo, mas sim o de estudar as populações de migrantes, saber como se relacionam...”.
ASSOCIAÇÃO. David Reher não esconde que, em Portugal e Espanha, os estudos de demografia histórica começaram tarde, mas refere que a escola de demografia histórica destes dois países é respeitável e respeitada na Europa. Foi nesse sentido que nasceu a Associação de Demografia Histórica, que tem 400 associados, na sua maioria espanhóis, e que nasceu depois da realização de um seminário em Oeiras, no início dos anos 80. A ideia era a de promover os estudos feitos neste âmbito em congressos, revistas e outras publicações.
“Até então, os investigadores desta área trabalhavam completamente sozinhos, sem um ambiente científico que os animasse ou que os criticasse, pelo que a qualidade dos trabalhos nem sempre correspondia ao esforço realizado. Por isso se criou a Associação, que é portuguesa e espanhola, sem distinção alguma, a qual foi muito recebida porque temos associados de muitos países da Europa e da América”.
Hoje, a Associação tem um papel já vasto. Desde 1983 que publica o Boletim da Associação de Demografia Histórica”, que sai duas vezes por ano e poderá mudar de nome em breve. “Esta é a única publicação de estudos de população que se faz na Península Ibérica”. Publicou ainda uma monografia, sobre mortalidade em Espanha no primeiro terço do século XX, mas em breve sairão outras. Existe ainda o Notícias ADEH, que circula entre os associados duas vezes por ano.
Os Congressos são outra vertente importante desta Associação, dado que é aí que se estreitam os laços com historiadores de outros países. No Congresso de Castelo Branco esteve, como convidado, o presidente da Sociedade Italiana de Demografia Histórica. Mas há também uma sociedade de demografia histórica em França, que teve um representante no Congresso de Castelo Branco, e surgem laços com a Associação de História Económica, entre outras. Além disso, nos Congressos estão presentes historiadores, demógrafos, sociólogos, antropólogos, entre outros especialistas, que ajudam a compreender melhor os dados da demografia e compreendem também, pelos dados da demografia, muitas das mudanças que constataram nos seus
estudos.
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