Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº38    Abril 2001

Editorial


Amanhã pode ser hoje

Num curioso texto escrito em 1939, e dado à estampa por Harold Benjamin no já ido ano de 1977, relata-se a história de uma tribo pré-histórica que decidiu introduzir a educação sistemática para as suas crianças. O currículo fora elaborado especificamente para ir ao encontro de necessidades particulares de sobrevivência no meio local e, por isso, incluía matérias como “Afugentar o Tigre de Dentes de Sabre com o Fogo”.

Porém, o clima da região mudou e os tigres de dentes de sabre morreram. Em sua substituição surgiram “Grandes Ursos Ferozes” que não tinham medo do fogo e não se deixavam caçar ou afugentar com a velha técnica aprendida na escola: a técnica de “Afugentar o Tigre de Dentes de Sabre com o Fogo”.

A comunidade estava agora numa situação muito difícil. Não havia carne para a alimentação nem qualquer segurança contra a morte que se passeava pelos caminhos de dia e de noite. Tinham de fazer, imediatamente, uma adaptação a esta preocupante situação se não quisessem caminhar para a sua própria extinção. Felizmente na tribo ainda havia homens de cepa...

A partir daí, um deles, com o estômago colado às costas, quedou-se pensativamente junto ao fogo no intuito de inventar novas destrezas que pudessem ser divulgadas a partir da escola.

Todavia, sem perceber muito bem porquê, as tentativas de mudar o currículo, por parte desse membro mais “esclarecido” da tribo, por forma a adaptá-lo às novas necessidades de sobrevivência, encontravam firme resistência por parte do conselho dos mais velhos e, supostamente, mais sábios, que defendiam a “intemporalidade da educação e dos conteúdos curriculares” ministrados pela escola.

E por mais que esse membro inovador da tribo, enquanto os outros se atafulhavam de comida e dormiam, ganhasse o hábito de se levantar mais cedo e de pensar junto do fogo, de pouco lhe valia esse esforço que o levava a tentar mudar as mentalidades e o currículo, por forma a que a tribo voltasse aos bons e velhos tempos da abundância.

Mesmo assim, pouco a pouco, foi elaborando um novo currículo, adaptado às novas circunstâncias. Só que, a partir desse instante, a partir da descoberta desse progresso, a partir do momento em que iniciou a sua divulgação, tornou-se, face aos olhos dos mais conservadores... num homem muito perigoso...

Metáfora preciosa, o texto de Harold Benjamim obriga-nos a relançar a reflexão sobre os obstáculos que se deparam e a que estão sujeitos todos aqueles que tentem enveredar pelos caminhos da inovação e da renovação, que outros não são, aliás, os que todos deveríamos tentar percorrer no decurso da nossa vida profissional.

E, ao salientar o papel das “minorias” na renovação dos processos e dos procedimentos educativos, e o modo como as “maiorias” suspeitam das suas propostas e inibem as suas práticas é, em nosso modesto entender, um modo relevante de relançar, dialecticamente, o debate sobre o eterno renascer do novo e a necessidade da permanente adaptação e da mudança.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

 


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