GENTE & LIVROS
J. D. Salinger
«(...) -O Pai mata-te. O pai mata-te - repetiu ela.
Mas eu nem a ouvia. Estava a pensar noutra coisa, uma coisa estúpida.
- Queres saber o que eu gostaria de ser? Isto é, se pudesse escolher?
- O quê?
- Conheces aquele poema: Quando Duas Pessoas Se Procuram no Centeio. Eu...
- É assim: Quando Duas Pessoas Se Encontram no Centeio. É um poema de Robert Burns.
- Eu sei que é um poema de Robert Burns - respondi. Mas é claro, não sabia. - Pensei que era Quando Duas Pessoas Se Procuram no Centeio - disse eu - Ando sempre a pensar em dois miúdos que brincam num grande campo de centeio, ou, melhor, milhares de miúdos, e não há por ali uma única pessoa crescida a não ser eu. E estou mesmo à beira de um grande precipício. O que tenho de fazer é agarrar os miúdos que estão já na beira do
precipício, isto é quando estão distraídos e andam a correr por ali. É nessa altura que eu apareço para os salvar. Gostava de fazer isso o dia inteiro. Seria apenas o vigia do campo de centeio. Sei que é uma parvoíce, mas seria a única coisa que me agradaria. Mas sei que é uma parvoíce».
Jerome David Salinger nasceu em 1919 , nos E.U.A, filho de pai judeu e mãe celta. Os amigos chamam-lhe Sonny. Aos 22 anos ingressa no exército, participa na 2ª Guerra Mundial e desembarca na praia de Utah, no dia D integrado no 12º Batalhão de Infantaria.
Em 1949 o seu conto Uncle Wiggly in Connecticut foi transposto para o cinema com o título My Foolish Heart, o escritor não gostou e proibiu a adaptação das suas obras para o cinema, teatro e televisão.
Em 1951, fruto de um trabalho de 10 anos, escreve o seu romance mais emblemático The Catcher In The Rye. Em 1953 entra em reclusão na sua casa em Cornish, New Hampshire.Quando foi confrontado com o “porquê” da obsessão pela invisibilidade de alguns escritores Salinger respondeu: «Quando um escritor não mostra o seu rosto, isso torna-se sinal da famosa relutância em aparecer manifestada por Deus». Em 1972, Salinger escreveu para uma jornalista do New York Times a elogiar-lhe um artigo, An 18-Years-Old Looks Back. A jornalista chamava-se Joyce Maynard, tinha 18 anos e era aluna de Yale. Começam a trocar correspondência e decidem conhecer-se pessoalmente. Joyce larga o emprego e muda para a casa de Salinger. A relação não sobrevive e em 1972 Salinger expulsa Joyce da sua vida. Em 1998 ela publica um livro onde fala da sua relação com o escritor At Home in the World. Na vida de Salinger segue-se Colleen O`Neill uma jovem que conheçe em
Cornish.
Desde 1965 não publica nada. Salinger afirma «Tenho dificuldade de escrever de forma simples e natural» e «Sou um velocista não um fundista, e provavelmente nunca escreverei um romance» mas escreveu.
Biliografia: The Catcher In The Rye (1951), Nine Stories (1953), Fanny and Zooey (1961) Rise High The Roof Beam, Carpenters (1963) e Seymour - an intro-duction (1963) A Perfect Day for Bananafish.
Uma Agulha no Palheiro conta-nos a história do adolescente Holden
Caulfield.
Aos 17 anos quando é novamente expulso do colégio, Holden passa três noites a deambular pelas ruas de Nova York. Mas tudo na vida deste anti-herói se salda em fracasso, a namorada platónica Jane Gallagher, sai com o playboy da escola e a namorada alternativa Sally aborrece-o. Procura respostas junto de amigos e de uma jovem de reputação duvidosa mas também não resulta. O seu verdadeiro afecto canaliza-se para a sua irmã mais nova Phoebe, simbolizando esta toda a pureza infantil. Tudo o resto é a queda no abismo do mundo adulto, hostil, hipócrita e
materialista. 
Eugénia Sousa
Florinda Baptista
Novidades
PIAGET. Voo Para o Coração da Tempestade - Demandas com o pensamento de Nietzsche é uma das novidades do Instituto Piaget. António Duarte Henriques Lopes, o autor, fala do seu livro assim: « A medida com que aqui me aproximo de Nietzsche é também aquela com que dele me afasto: exerço, em relação ao seu pensamento, as prerrogativas, por si marcantemen-te inventariadas, da interpretação e avaliação, quer dizer, da sua confiscação em beneficio do meu interesse, ainda que seja o meu interesse por ele.(...)». Um belo Voo.
EUROPA-AMÉRICA. As Publicações Europa-América, na sua colecção Biblioteca Universitária, publicam em três volumes Textos Essenciais da Psicanálise de Sigmund Freud. A filha, Anna Freud, faz uma selecção de escritos do pai incluindo e definindo os elementos fundamentais da psicanálise. Uma obra acessível e recomendada a todos os interessados na compreensão do processo mental humano.
ASSÍRIO & ALVIM. A Assírio & Alvim publica do “Escritor de Canções” Sérgio Godinho, o Pequeno Livro dos Medos. Um livro destinado aos mais pequenos, escrito e ilustrado pelo autor, ele diz: «De um livro para a infância e a juventude, esperam-se ilustrações. Era a Alice que o dizia, antes de entrar no sonho esclarecedor: de que serve um livro sem gravuras? Seria razão bastante para que este livro fosse aguarelizado, e cada medo correspondesse a cada bicho, e cada inocência a uma confrontação».
EDIÇÕES ASA. Uma Desolação de Yasmina Reza é uma publicação das Edições ASA. Um personagem, no final da sua vida, fala com o filho para lhe exprimir o seu desespero. Um monólogo que exprime o seu ódio contra o filho, os parentes, os amigos, a sociedade. Mas principalmente contra o filho “um militante da felicidade”. Um romance apoiado na convicção que tanta felicidade só nos pode tornar idiotas e os bons sentimentos não são preferíveis aos bons caracteres.
EDITORIAL MINERVA. A Editorial Minerva vai publicar Colectânia de Pensamentos Universais, 2001 de Sílvio Pereira. A sessão de apresentação do livro tem lugar no dia 7 de Maio, pelas 21.30 horas, no Palácio das Galveias em Lisboa. São do autor as palavras: «Quanto a louros ou qualquer galardão, basta-me, por suficiente, a pura consciência do dever cumprido, e a satisfação de ter dado de graça o que também gratuitamente tenho recebido».

BOCAS DO GALINHEIRO
Vamos ao teatro

Teatro e cinema, têm, desde a invenção da 7ª Arte, vivido numa atmosfera de amor/ ódio, reivindicando cada um a primazia. Com vantagem para o cinema, dizemos nós, largamente vencedor da querela no século passado. Basta ver o exemplo albicastrense onde os espectáculos de teatro eram uma gota de água no marasmo da oferta cultural em anos recentes. Ainda bem que as coisas mudaram. Primeiro com o reaparecimento de um grupo de teatro na cidade, o Vàatão. Depois com a reabertura do Cine Teatro Avenida, onde a Arte de Talma voltou a ter visibilidade.
Mas, malgrado esta rivalidade, o cinema nunca se absteve de retractar o mundo do teatro nas suas diversas facetas, da montagem à estreia, da produção à encenação, passando por outros aspectos em que o actor é quase sempre a figura em foco.
E, para variar, hoje iniciamos a nossa pesquisa por um filme português em que o teatro é o mote. Falamos, está bom de ver de “O Pai Tirano”, essa memorável comédia dos anos de ouro do cinema português realizada em 1941 , por António Lopes Ribeiro. Quem não recorda esse impagável grupo de empregados dos armazéns Grandela, “Os Grandelinhas”, comandados por um Vasco Santana ao seu melhor nível. Um filme, no dizer do dr. Félix Ribeiro “ ficaria a ser a primeira em tempo, da brilhante série de comédias cinematográficas que esmaltaram os anos 40 e das quais ficou a constituir como que um arquétipo que se manteria através dos anos, como o demonstrou a aceitação pela crítica e pelo público”. A atracção do cinema pelo teatro começou cedo. Em 1925 Rupert Julian realiza uma das melhores versões da obra de Gaston Leroux, “O Fantasma da Ópera”, outras se seguiram, onde toda a magia e romantismo de um teatro, neste caso a Ópera de Paris, são imortalizados.
Em 1929 “The Broadway Melody” retrata as peripécias de um grupo de vaudeville na Broadway. Uma realização de Harry Beaumont para o primeiro filme musical a receber o Oscar. E, dentro do tema, o subtema, se assim lhe podemos chamar, Broadway, passou a ter assento no cinema americano. Podemos falar do não menos famoso “Forty Second Street”, realizado em 1933 por Lloyd Bacon, com vários números musicais do grande Busby Berkeley, feito à volta da montagem de um musical, ou de “Morning Glory”, dirigido em 1933 por Lowell Sherman e que valeu a Katharine Hepburn o seu primeiro Oscar no papel de Eva Lovelace, uma aspirante a actriz que luta pelo triunfo nos palcos da Broadway, sem esquecer “The Band Wagon”, de Vincente Minelli (1953), com Fred Astaire e Cyd Charisse, um musical sobre musicais, do melhor que se fez no género.
Filme referência sobre os piscar de olhos do cinema ao teatro é sem dúvida “All About Eve” (1950), de Joseph L. Mankiewick. Um filme amargo e contundente, em que ninguém é poupado. Uma obra mestra onde sobressaem Bette Davis e Anne Baxter, numa ambiciosa aspirante a actriz. E que dizer de “To Be or Not To Be” (1942), de Ernst Lubittsch, uma comédia negra, plena de ironia, inseparável do famoso Lubitsch Touch, onde uma companhia de teatro polaca, dá a volta ao ocupante nazi. Um gozo. E, já que falamos de gozo, o mundo do teatro não escapou aos demolidores Irmãos Marx no estonteante “Love Happy” (1950) onde roubos de diamantes se misturam com a montagem de um musical e com Marilyn Monroe, numa curta cena com Groucho. De antologia: a cena e o filme.
Coreógrafo, bailarino, actor e realizador, Bob Fosse conhecia como poucos o mundo do espectáculo. Não admira pois que tenha assinado três obras inesquecíveis sobre o meio. Em 1972 aquele de que Vincente Minelli disse ser o filme perfeito: “Cabaret” (na foto). Com Liza Minnelli ao seu melhor nível e Joel Grey no papel da sua vida, Fosse criou alguns dos melhores números da história da comédia musical, a par de uma impressionante reconstrução da decadente Berlim dos anos 30. Merecidos os oito Oscar com que a Academia homenageou esta fita única. Dois anos depois realiza “Lenny”, biografia de Lenny Bruce, um polémico entertainer, crítico feroz do american way of life. Um filme que vale também pela soberba interpretação de Dustin Hoffman. Por fim, em 1979, dirige o seu testamento cinematográfico. Uma obra densamente autobiográfica “All That Jazz”, passa a pente fino a montagem dum musical, bem como da angústia que acompanha todo o processo criativo, enquanto o encenador/autor (Roy Scheider) vai mantendo conversações com a morte (Jessica Lange) preparando o seu derradeiro show. Memorável.
Realizadores consagrados sucumbiram à tal atracção. De Blake Edwards, que em “Victor/Victoria” (1982) nos leva ao ambiente artístico de Paris nos anos 30, a John Cassavetes, que filmou com a sua habitual mestria as crises de uma actriz em “Opening Night”, de 1977, passando por Woody Allen que em “Bullets Over Broadway (1994) deu a seu pulo ao teatro numa comédia em que gangsters candidatos a dramaturgos e meninas candidatas a actrizes se misturam perigosamente. Pelo meio as habituais crises criativas à Allen. A lista é longa, havendo apenas espaço para referir duas homenagens recentes a Shakespeare. Primeiro “Shakespeare in Love” (1998), de John Madden, à volta do caso de amor que supostamente foi fonte de inspiração de Romeu e Julieta, e “Looking For Richard”, do mesmo ano, uma homenagem de Al Pacino ao grande bardo inglês.
Como dizia Bob Fosse por interposto Roy Scheider “It’s show time,
folks!”.

Luís Dinis da Rosa
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