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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº31    Setembro 2000

 

Cultura

 

LIVROS

John Steinbeck

“A pele da minha cara endureceu como a carapaça de um caranguejo. Fechei a porta com o cuidado com que se fecha a porta de um cofre-forte, dobrei metódicamente os dois primeiros papéis, metendo-os na carteira, e do outro fiz uma bolinha, que deitei na retrete. Puxei o autoclismo e a bola de papel andou à roda, hesitou um momento na borda do tubo de descarga e desapareceu.

Naquela manhã não houve sermão às latas de conserva. Teria sido incapaz disso. Desenrolei uma mangeira para lavar o passeio. Depois varri a loja, mesmo os cantos tantas vezes esquecidos. E cantei:

Eis o Inverno do nosso descontentamento / Tornado Verão glorioso por este sol de York.

(Ricardo III)

Não era uma canção, mas, mesmo assim, cantei-a“.

in O Inverno do Nosso Descontentamento

 

Jonh Ernst Steinbeck nasceu em Salinas, Califórnia, a 27 de Fevereiro de 1902 e morreu em Nova Iorque a 20 de Dezembro de 1968.Entre 1920 e 1926 teve vários empregos (servente agrícola, pedreiro, empregado de laboratório, repórter no New York City) enquanto estudava Biologia Submarina na Universidade de Stanford. Durante esses anos publicou poemas e pequenos contos em publicações universitárias. Nunca terminou o curso.

Steinbeck foi um dos mais representativos autores norte-americanos da “Geração Perdida”. Na época em que o director do FBI era J. Edgar Hoover, sobre o escritor recaíram suspeitas de pertencer ao partido comunista. Toda a sua obra revela uma grande preocupação social: a injustiça a que são sujeitos os camponeses nos seus movimentos migratórios em busca de trabalho - As Vinhas da Ira, o sacrifício dos melhores valores e homens em função de uma sociedade materialista - O Inverno do Nosso Descontentamento.

Seinbeck ganhou o Prémio Pullitzer em 1940 e o Prémio Nobel em 1962.

Da sua bibliografia destacamos: A Um Deus Desconhecido (1933), Ratos e Homens (1937), As Vinhas da Ira (1939), Bairro da Lata (1945), Náufragos do Autocarro (1947), A Leste do Paraíso (1952), O Breve Reinado de Pepino IV (1957), A Pérola (1962), Viagens Com o Charley (1962) e O Inverno do Nosso Descontentamento (1962).

O LIVRO. O Inverno do Nosso Descontentamento. Ethan Hawley é o bom marido de Mary Hawley e pai dos jovens Allen e Mary. Após a falência do seu negócio, Ethan trabalha na mercearia de um siciliano imigrado na América, Marrullo. Mas a família, os amigos e a sociedade não lhe permitem continuar com o seu emprego simples.

Entre os desejos, as expectativas e as tentativas de corrupção sofridas, Ethan lá se vai aguentando. Quando Danny Taylor, o melhor amigo, se suicida devido aos problemas de álcool Ethan na impossibilidade de ajudá-lo, sofre o mais duro desencanto..

Eugénia Sousa
e Maria F. Baptista

 

 

 

Novidades


PIAGET. A Leitura em Voz Alta de Georges Jean é uma das mais recentes apostas do Instituto Piaget. Neste ensaio, o autor demonstra como a leitura em voz alta consegue despertar o interesse pela leitura em geral. Actualmente, esta forma de leitura suscita um novo interesse. Bibliotecas, mediatecas, instituições escolares e associações emprestam voz ao livro para o tornar vivo e conseguir novos leitores.

DOM QUIXOTE. As Publicações Dom Quixote publicam este mês A Montanha da Água Lilás do escritor angolano Pepetela. Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos de nome literário Pepetela é autor de vários romances. O Cão e os Caluandas, Yaka, A Geração da Utopia, O Desejo de Kianda, Parábola do Cágado Velho, A Gloriosa Família e agora A Montanha de Água Lílas uma Fábula Para Todas as Idades. Pepetela, pelo conjunto da sua obra, ganhou em 1997 o Prémio Camões.

EUROPA-AMÉRICA. As Publicações Europa-América publicaram Um Cântico a Leibowitz. Quando o planeta sofre o Apocalipse, homens e conhecimento são destruídos. Leibowitz, um homem da ciência, consegue salvar algumas das suas obras. Volvidos os séculos, esses livros encontram-se à guarda dos monges da ordem de Leibowitz. Eles preservam o conhecimento antigo que será entregue à humanidade, quando ela estiver novamente preparada para o receber. Walter M. Miller, Jr. escreveu Um Canto a Leibowitz, um clássico da ficção científica, publicado pela primeira vez em 1959. 

ASSÍRIO & ALVIM. A Assírio & Alvim publica, do escritor Thomas Bernhard, o livro de poesia Na Terra e no Inferno e a obra de ficção O Sobrinho de Wittgenstein. A obra de Thomas Bernhard é autobiográfica em todas as suas vertentes poesia, dramaturgia e romance.

Eugénia Sousa

 

 


 

CINEMA

Do Irão, bom vento

O acesso a filmografias diferentes da americana, indiscutivelmente dominante no nosso país, não é fácil numa cidade do interior como é o caso de Castelo Branco. Vão-nos valendo as sessões “das sete” no S. Tiago, um oásis de divulgação regular de filmes e realizadores que têm outra forma de fazer cinema.. É assim que vos vou hoje falar de um cineasta iraniano, Abbas Kiarostami, de quem alguns leitores mais atentos poderão ter visto na televisão, não há muito tempo, O Sabor da Cereja. Esta semana O Vento Levar-nos-á (na foto), passou naquela sessão de fim de tarde. Já agora, há quinze dias vimos na mesma sala Luna Papa, do realizador tadjid, Bakhtyar Khudojnazarov, outra filmografia praticamente desconhecida, que se seguira a um excelente Dogma, de Kevin Smith. Convém estar atento à programação, ou corre-se o risco de perder autênticas pérolas cinematográficas. E, por cá, não nos podemos dar a esse luxo.

Voltando a Kiarostami, a primeira vez que ouvi falar do iraniano foi em 1992 quando a Cinemateca lhe dedicou um ciclo, ano em que ganhou o prémio Roberto Rossellini com A Vida Continua. Foi o primeiro passo para, dois anos depois, em 1994, aceder à secção oficial de Cannes exactamente com Através das Oliveiras, nomeado para a Palma de Ouro.

Cineasta singular, herdeiro de Murnau e Rossellini, toda a sua obra reflecte a vivência do seu Irão natal, com algum radicalismo, mas sem artificialismos. O uso de elementos dramáticos é reduzido ao mínimo, mas, fortemente apoiados por uma sensibilidade narrativa impar, a que se alia um realismo muito próximo do mestre italiano.

Através das Oliveiras foi o terceiro filme de uma trilogia onde se incluem Onde Fica a Casa do Meu Amigo (1987) e A Vida Continua (1991), este último uma viagem pelo rasto do terramoto que sacudiu o Irão em 1990. Nele, o realizador filma a rodagem do próprio filme, ou seja, entra no mundo do cinema, mostra-o por dentro, como já outros o haviam feito noutros filmes, mas levantando o véu sobre os segredos do cinema, tanto que o actor que faz de realizador vê aparecer diante da câmara Kiarostami, revelando o artifício que ele próprio criara. Ou seja, reconstrui a realidade, o que viram não passou de um filme. Claro está que o recado não se destina ao público mas, isso sim, aos senhores do lápis azul da censura. É, tem sido, com artifícios que o autor vai conseguindo fintar os ayatollas. O mesmo se passou com o seu filme seguinte, O Sabor da Cereja, seguramente aquele que mais me cativou. 

Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1997, o filme foi retirado da competição, retido pela censura iraniana, acabou por chegar à última hora. Filme e autor foram efusivamente recebidos. O júri, por seu lado, carimbou o esforço com o prémio, apesar de dividido com A Enguia, de Shohei Imamura.

A história de O Sabor da Cereja é, como o cinema de Kiarostami, simples É, também, um filme de viagem, uma viagem ao fim . Um homem, Badii, numa sociedade onde o suicídio é considerado uma aberração, tenta encontrar alguém que o ajude a consumar a sua morte. È assim que, das ruas de Teerão, às terras áridas e inóspitas dos arredores, vai sucessivamente e sem sucesso, pedindo ajuda, ao mesmo tempo que nós, pelo vidro do jipe que conduz, vemos desfilar o Irão dos desempregados, dos militares, dos que tentam sobreviver a todo o custo, nem que seja recolhendo sacos de plástico, das crianças que brincam em velhas carcaças de carros abandonados. Até que encontra o velho taxidermista que, apesar de disposto a ajudá-lo, lhe explica a importância do sabor das cerejas, leia-se, o sabor da vida. E, mais uma vez Kiarostami desmonta a realidade, atenua o pessimismo latente, mostrando em vídeo a equipa de rodagem dirigida pelo próprio Kiarostami. Aquilo que vimos até podia ser verdade, mas não é. É apenas mais um filme, passado no Irão!

A última obra de Abbas Kiarostami, passou na passada quarta-feira no S. Tiago. À hora que escrevemos estas linhas ainda não vimos o filme. Porém, não teríamos qualquer relutância, caso esta edição saísse antes, em sugerir a sua visão. Obrigatória! Se não viu, anote o nome: O Vento Levar-nos-á. É mais um filme de um resistente, que nunca filmou em liberdade, que não abandonou o Irão, mas que consegue uma obra de uma coerência absoluta, sensível, e que revela um imenso amor pelo cinema, marcadamente noutro ponto alto da sua filmografia, Close Up (1990), não escondendo algumas das suas referências, como sejam Rossellini, Rohmer e Godard, sem perder a sua autenticidade e simplicidade. Nem sempre os grandes meios fazem um bom filme. E, ainda bem.

Luís Dinis da Rosa

 

 

 

MÚSICA

Belgais inaugurado

A pianista Maria João Pires acaba de inaugurar o Centro Para o Estudo das Artes de Belgais, com dois concertos bem conseguidos. A criação daquele organismo, que pretende desenvolver acções de formação com artistas ligados ao meio musical, é um sonho antigo da pianista e conta com os apoios do Ministério da Educação, que financiou o centro com cerca de 200 mil contos, da Câmara de Castelo Branco e do Instituto Politécnico de Castelo Branco, onde Maria João Pires é docente.

A inauguração contou com a presença de nomes consagrados da música internacional, como Augustin Dumay (no violino), Michel Portal (no clarinete), Caio Pagano (no piano), Jian Wang (Violoncelo), Claire-Marie Legay (piano), Jérôme Grajon (no piano) e o trio de jazz, Walter Lang.

Os dois concertos que marcaram a abertura oficial do Centro foram distintos, mas nem por isso deixaram de entusiasmar o público. No primeiro apresentou-se um programa mais clássico, com a interpretação de peças de Beethoven, Mozart, Schumman, Schubert, Ravel, Nazareth, Chopin, Liszt, Janec e Mendelsohn. No segundo, depois de um tango de Tchaikvsy, tocado por todos os músicos presentes na iniciativa, ouviu-se jazz, com Michel Portal e o trio Walter Lang. 

No primeiro ano de funcionamento, Maria João Pires e Caio Pagano vão promover quatro cursos de interpretação, e para o próximo ano lectivo estão agendados os seguintes cursos: técnica de som, coordenado por Helmut Burk; acústica, orientado por Daniel Commings; Afinação e Técnica de Pianos, coordenado por Kausto; Música de Câmara, sob a responsabilidade de Augustin Dumay, Jian Wang, Maria João Pires e Caio Pagano; e ainda um curso de música de Câmara, que será coordenado por Emmanuel Krivine.

Outra das apostas de Maria João Pires para o próximo ano passa por dar a oportunidade aos alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico das escolas da Mata e dos Escalos de Baixo, de participarem num curso específico. Um curso que será desenvolvido durante um ano, uma vez por semana, onde as crianças experimentam várias formas de expressão artística. O Centro será também mais um instrumento para os alunos da Escola Superior de Artes, do Instituto Politécnico, que poderão vir a usufruir daquele espaço, situado a 10 quilómetros de Castelo Branco
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