Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº33    Novembro 2000

 

Editorial

Política & Jornalismo

Independentemente da abordagem de inúmeros temas, cuja relevância e interesse não queremos desvalorizar, é, porém, certo, para nós, que as relações entre a política e jornalismo dominaram uma boa parte das atenções durante o I Encontro dos Órgãos de Comunicação Social da Beira Interior.

Não fora o caso de um conhecido autarca se ter permitido a verberar um conjunto de inqualificáveis diatribes contra os jornais e os jornalistas e, quem sabe, o assunto bem poderia ter ficado desapercebido. Todavia, tal como as bruxas de Unamuno, lá que se falou na quente matéria, lá isso falou. E, daí à troca de opiniões, e à sistemática retoma do tema, foi um pequeno passo.

Quanto a nós esta velha querela das relações entre a classe política regional e os órgãos de comunicação social só tem a ver com a problemática (mais vasta, mais polémica?) da discussão da partilha do Poder, ou, se preferirem dos Poderes. Numa região onde faltam protagonistas, onde o que se convencionou designar por “opinião regional”, não passa da expressão pública do pensamento de meia dúzia de articulistas, onde os media se acotovelam pela chegada ao “querido leitor ou ouvinte”, onde a classe política se empertiga por meia página de jornal, ou uma referência, em horário nobre, de qualquer rádio, é natural que o espaço de palco comece a ficar demasiado pequeno para tanta personagem e tanto cenário.
A classe política regional tenta, por puro mimetismo, comparar-se à classe política nacional. Não se admire se, por isomorfismo os jornalistas aumentarem a sua profissionalidade, no alcance de uma “caixa” que lhe valha citação nalgum órgão nacional.

Ou seja, a crescente “profissionalização” do político tem vindo a ser acompanhada pela “profissionalização do jornalista. Logo, no rasto, na peugada do político, é natural que esbarremos sempre com um jornalista”.

Porém já é velho hábito que o político se sinta então (pela vizinhança, pela proximidade) a tentar ser jornalista, ou ter opinião sobre o jornalismo. Tal como o jornalista se deixa arrastar para a perversão de opinar como agiria se... fosse político. Dilema irresolúvel, sobretudo quando ambos casmurram no acto de exigir ao outro o “faz o que eu digo; não faças o que eu faço”.

Logo a independência do jornalista está, estatisticamente, correlacionada com a dependência dos políticos em relação ao jornalismo. A notícia torna-se sujeito e objecto. A promiscuidade torna-se hábito, desejo e cultura profissional para ambos.

O político quer que o jornalista dê, por ele, a opinião a que aquele confere legitimidade. O jornalista quer (como cidadão?) que o político se cumpra em regras, éticas, afazeres e fazeres socialmente úteis e relevantes.

Do código deontológico do jornalista, conviria passar-se à discussão do código ético do político. E, daqui à pescadinha de rabo na boca, estamos apenas a, talvez, dois passos.

Então podemos convergir que, nesta matéria, e talvez pela primeira vez, haja aquilo a que alguns, teimosamente, insistem em chamar de “identidade regional”. Identidade de princípios de actuação, identidade de objectivos, identidade de finalidades, identidade de comportamentos e de atitudes, identidade de mentalidades. Isto é, a identidade torna-os... idênticos...

Neste embrulha e desembrulha conviria, pelo menos alguma clarificação de funções. Talvez fosse interessante que, para alguns jornalistas, a sua principal ambição não fosse a de ser assessor de imprensa de um qualquer político. Assim como seria de valorizar se a ambição de alguns políticos não fosse a de ter um assessor de imprensa, nem que seja para calar a voz mais incómoda que lhe ande a morder os calcanhares.

Se alguém teve a paciência de nos ler até aqui, não espere agora que seja este escriba amador a deslindar o embaraço. É que, para sermos sinceros, falta-nos a vontade e, quem sabe, se até a arte e o engenho
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João Ruivo
ruivo@rvj.pt

 


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