Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº25    Março 2000

 

Cinema

BOCAS DO GALINHEIRO

Graham Greene

Graham Greene manteve ao longo dos anos uma relação de amor/ódio com o cinema. Por um lado, contam-se às dezenas as suas obras adaptadas ao cinema. Por outro, raramente gostou das adaptações. Mesmo quando o guião era de sua autoria!

Nascido a 2 de Outubro de 1904, em Berkhamsted, Inglaterra, educado de uma forma austera na anglicanismo, o seu pai, além de professor era também o director da escola, converteu-se ao catolicismo em 1926 para se casar com Vivien Dayrell-Browning. Apesar disso definia-se como um católico agnóstico. Todavia a religião é tema recorrente na sua obra, quer por um certo maniqueísmo, a eterna luta entre o Bem e o Mal, tão cara ao catolicismo, mas, acima de tudo, pelas questões da culpa e do pecado, obsessivas para o escritor, a que se alia alguma ambiguidade, ajustada à personalidade de Greene. Porém, como previu, é recordado como um católico escritor e não como um escritor católico.

Eterno candidato ao Nobel, entraram na lenda as razões de não lhe ter sido atribuído, das religiosas, às passionais. Malgrado este não reconhecimento, que só prestigiava o prémio, a sua obra, uma das mais ricas deste século, onde abundam novelas de grande fôlego, é o retrato de uma vida plena de vivências a que não é alheia a sua alma de incansável viajante e de arguto observador da realidade que lhe foi dada apreciar nas sete partidas do mundo. Não estranha pois que a Greeneland atraísse as atenções do cinema. O contrário é que seria de estranhar dada a impessoalidade cinematográfica da sua escrita, rica, mas sóbria, recheada da tal capacidade de observação que faz do pormenor história.

A ligação de Greene ao cinema começou nos anos 30 como crítico nas revista The Spectator e Night and Day, onde é recordado pela contundência das suas opiniões. De crítico passou a guionista. Com igual veemência.

Começou por trabalhar com o produtor Alexander Korda, de quem se tornou amigo, como co-autor, juntamente com Edward O. Berkman e Arthur Wimpens do guião de Four Dark Hours, filme dirigido por William Cameron Menzies, em 1937. Para o escritor a pior produção de Korda! Seguiu-se a adaptação da peça de John Galsworthy, The First and The Last, argumento de 21 Days (1940), de Basil Dean, com Vivien Leigh e Laurence Olivier. Na sua crítica no The Spectator, Greene arrasou o filme! (Neil Jordan cita-o em O Fim da Aventura. É o filme que está a ser exibido quando os dois protagonistas se encontram no cinema).

Foi, porém, com Carol Reed, que Greene se reconheceu. Fizeram três filmes, o primeiro dos quais, The Fallen Idol ( O Ídolo Caído), de 1948, é a adaptação cinematográfica de um conto seu The Basement Room. Nomeado para o Oscar e premiado no Festival de Veneza desse ano, aborda, através do olhar de uma criança, Bobby Henrey, um dos temas caros a Greene: o conflito entre realidade e aparência. Mas será em 1949 que fazem aquele que será o melhor filme sobre uma obra do escritor: O Terceiro Homem. Talvez porque nasceu guião antes de ser novela, ao contrário das restantes adaptações. Por outro lado há neste filme outros factores de desequilíbrio, mormente a (omni)presença de Orson Welles, um actor que sempre exerceu pressão sobre os realizadores com quem trabalhava, sendo que as suas interpretações tinham mais a ver com soluções suas do que com a direcção dos realizadores. Mas convém não perder de vista a atmosfera duma Viena ocupada que escritor e o realizador lograram transpor para a tela. Um ponto alto, talvez o mais alto, da cinematografia de Reed. Com o aplauso de Greene, pasme-se!

Para além de outras participações em guiões, Saint Joan (1957), de Otto Preminger ou The Comedians (1967), de Peter Glenville, Graham Greene viu realizadores vários adaptarem ao cinema obras suas. Aliás, quase todas as suas novelas deram filmes, Da distinta lista constam entre outros Ministry of Fear (Prisioneiros do Terror), 1944, de Fritz Lang, com Ray Milland e Marjorie Reynolds, uma obra de suspense, povoada pelo medo e pela culpa, embora o filme, só muito ao de leve nos desvende a novela. O mesmo acontecerá com The Fugitive (O Fugitivo), 1947, de John Ford, baseado no romance The Power and The Glory, em que o argumento de Dudley Nichols é totalmente infiel ao livro. Como justificou Ford na altura, era impossível mostrar um padre a viver com uma mulher. Henry Fonda acabou executado, não pelos pecados da carne. Dolores Del Rio não o teve no filme. Maria Dolores, no romance, sim.

Joseph L. Mankiewicz provoca de novo o desespero de Greene na adaptação de O Americano Tranquilo, em 1958. A solução do realizador foi considerada pelo escritor como a pior adaptação alguma vez feita de uma obra sua. Com efeito Mankiewicz, ao fazer do jornalista, Fowler, o vilão, feriu de morte o autor que se reconhecia na pele desta personagem.

James Cagney, o actor, assinou em 1957 a sua única realização com Short Cut To Hell, baseado na novela A Gun For Sale, que já havia dado outro filme em 1942, This Gun For Hire (Aluga-me essa Arma), de Frank Tuttle.

George Cukor, em 1972, e Otto Preminger em 1980, adaptaram, respectivamente, Viagens com a Minha Tia e O Factor Humano. Mais uma vez, será preciso dizê-lo (?), Greene não gostou das adaptações. Este, seria o último filme de Preminger, que morreu pouco depois. O escritor, com a verbosidade que lhe era peculiar, terá afirmado que, graças a Deus, Preminger não voltaria a adaptar obras suas. Polémico, como sempre.

A última adaptação de Greene data de 1999. Pela segunda vez O Fim da Aventura (na foto) chegou ao grande écran. Depois do filme de Edward Dmytryk, de 1955, com Deborah Kerr e Van Johnson nos principais papéis, coube agora a Ralph Fiennes e Julianne Moore, pela mão de Neil Jordan, protagonizarem a novela mais autobiográfica do escritor. Uma realização de pulso para uma história de amor impossível, porque proibido pelo Céu. O clássico triângulo amoroso, marido, mulher e amante, tem aqui um quarto elemento determinante: Deus. Quem não o viu no S. Tiago perdeu um belo momento de cinema.

Graham Greene morreu em 1991, na Suíça. Em 1973 foi actor na fita da François Truffaut, A Noite Americana. Em 1952 produziu The Stranger’s Hand, de Mario Soldati. A sua ligação ao cinema foi total, mesmo quando, com a sua especial loquacidade, afirmou que podem considerar-se felizes todos os escritores que morreram a tempo de não verem a mutilação que o cinema fez às suas obras. Grande Greene!

Luís Dinis da Rosa

 


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