MARCELO REBELO DE SOUSA
EM ENTREVISTA
Os novos rumos do
Superior
O ensino politécnico e o universitário são ambos necessários e têm objectivos diferentes. A opinião é de Marcelo Rebelo de Sousa, em entrevista ao Ensino Magazine realizada em São Vicente, a primeira cidade a ser criada no Brasil. A entrevista foi realizada durante o decurso do Congresso Nacional de Imprensa Regional, organizado pela Associação Portuguesa de Imprensa Regional.
De palavra fácil, Marcelo Rebelo de Sousa antevê o início de uma boa relação entre os politécnicos e as universidades do País, o que deve começar pela melhor relação entre os professores e uma maior participação dos diferentes professores nas diferentes instituições. E se bem o pensa, Marcelo Rebelo de Sousa melhor o faz. Pois, proferiu a oração de sapiência na abertura do ano lectivo do Instituto Politécnico de Viseu.
“O politécnico nasceu com uma maior relação à realidade local. Por isso, muitos dos cursos estão relacionados com a situação económica e social das áreas onde ficava implantado. Por outro lado, tem uma formação profissionalizante muito importante que faltava à universidade e ao nosso sistema de ensino em geral, depois de, demagogicamente, se querer transformar tudo em curso livresco”.
A investigação também está em alta e a aproximação ao que se faz nas universidades tem sido uma realidade. “No politécnico há muitos exemplos de qualidade e até de qualidade excepcional. Nos últimos anos, houve também uma convergência na preparação de docentes e no tipo de estudo e investigação que se faz em muitos politécnicos relativamente ao que se passa nas universidades”.
Nesse sentido, Marcelo Rebelo de Sousa afirma hoje que “a Lei de Bases do Ensino Superior deveria tratar globalmente quer o ensino universitário, quer o ensino politécnico. Porque há exemplos de menor e de maior qualidade em ambos eles. Não se pode dizer que o ensino universitário seja o ensino de primeira e o politécnico de segunda. Isso não corresponde à realidade”.
É por essa razão que aquele professor universitário pensa que nos últimos anos aconteceu uma convergência natural em ambos os sistemas de ensino superior. Uma convergência que considera irreversível. Por isso, considera que o superior deverá passar a ser visto de uma forma diferente, separado em ensino superior curto e ensino superior longo à semelhança de outros países.
“O ensino politécnico, para todos os efeitos, tem valências universitárias. As universidades, para muitos efeitos, acabam por não ter a qualidade de sectores significativos do ensino politécnico. O que se passou em Portugal está passado. Hoje deu-se uma convergência que não pode ser negada nem ignorada. Tem é que se tirar proveito dela”.
Exige-se então hoje que se altere o estatuto de cada um dos sistemas de ensino. “É preciso dar um estatuto ao politécnico que reconheça a possibilidade de ter ensino superior de primeira e não um ensino superior tolerado, marginalizado, secundarizado. Também os professores universitários, meus colegas, que muitas vezes têm um complexo de superioridade que não tem razão de ser, assumam com humildade a ideia de haver uma grande circulação entre politécnico e universidades”.
Marcelo Rebelo de Sousa entende que os professores universitários devem ter um papel importante na vida dos politécnicos e que os professores que se formaram nos politécnicos têm um papel importante a desempenhar na universidade. “Numa palavra: que não seja o nome, o rótulo, a definir a qualidade, mas que seja a qualidade a definir o estatuto do ensino superior em Portugal”.
Para que esta meta seja uma realidade, aquele professor afirma que é preciso ter uma visão global do ensino superior. “É preciso tratar com igualdade aquilo que, por razões históricas, foi tratado de modo diferenciado, quer em termos financeiros, quer em termos do próprio estatuto de funcionamento. E se for possível aos politécnicos evitarem alguns erros que as universidades clássicas, e algumas mais recentes, cometeram, melhor será”.
Um dos aspectos a corrigir, diz, será a grande rigidez das universidades clássicas na forma de organização interna, de estruturamento. A solução é optar por uma flexibilidade sem nunca perder o que chama de objectivo primeiro da qualidade. “Esse é um desafio fundamental para o nosso sistema educativo. Precisamos de ter essa flexibilidade. Não só na mudança de cursos e na possibilidade de reorientação pedagógica, mas nas relações curriculares entre os vários ramos do ensino superior”.
É que, afirma, não faz sentido haver disciplinas de Direito em cursos dos politécnicos que estejam divorciadas do ensino do Direito nas universidades. “Há uma circulação de ideias e de pessoas que tem de se implementar. E sem complexos. Ainda há pouco tempo proferi a oração de sapiência na abertura do ano lectivo do Politécnico de Viseu. Esse foi um pequeno exemplo de como os professores universitários devem estar associados ao dia a dia da vida dos politécnicos. É bom para uns e bom para outros”.
INTERIOR. Já em relação ao ensino superior no Interior e no Litoral do País, Marcelo Rebelo de Sousa não tem dúvidas que não se pode fazer uma clivagem geográfica analisando a qualidade. “Temos exemplos, em todo o País, de excepcional qualidade, de muita qualidade e de menor qualidade. Isso acontece também nas ilhas. Não se pode dizer que a excelência se concentrou numa só área”.
A qualidade, assevera, depende do trabalho desenvolvido pelas pessoas nas instituições onde se encontram. “Todas as instituições, e as de ensino não são excepção, têm um traço humano. Há pessoas que estudam, que emprestam qualidade e outras que facilitam, que preferem alguma permissividade, que preferem o imediato ao longo prazo e a quantidade à qualidade”.
Atendendo assim a que a realidade é complexa, Marcelo Rebelo de Sousa diz que não quer entrar em análises simplistas. Um modo que utiliza também quando analisa a questão da empregabilidade após a conclusão dos cursos superiores.
“Com os politécnicos sucede o mesmo que acontece nas universidades. O emprego muda. Não é uma realidade estática. Por isso, os cursos têm que mudar. A ideia que os cursos se criam porque há especialistas que se formaram numa certa matéria (e que entendem ter direito a uma disciplina ou a uma especialização ou até um determinado plano curricular), é uma ideia errada”.
A escola não se poderá alhear da sociedade, mas deve manter, com essa mesma sociedade, uma relação estreita em todo o momento. E isso consegue-se com a existência de verdadeiros conselhos gerais que liguem a gestão da escola às forças vivas da sociedade. Embora fale assim, deixa no entanto alguns avisos.
“A escola não pode ficar apenas subjugada a uma lógica economicista do emprego. Há muita coisa que pode ser prospectiva e a escola poderá, pelos seus meios, determinar a mudança na sociedade. Tem é de haver um mínimo de ajustamento, o qual contra-indica muitas vezes a criação de disciplinas, de especializações ou de cursos que não têm que ver com a realidade social portuguesa, seja com a actual, seja com a futuramente desejável”.
Além disso, e numa outra vertente, o ajustamento reclamado por Marcelo Rebelo de Sousa impõe “um permanente repensar daquilo que é ensinado na universidade e no politécnico. Porque aquilo que pode ser importante num década já não é necessariamente importante na década seguinte ou daí a 20 anos”.
Marcelo Rebelo de Sousa não tem dúvidas que o percurso não será fácil, pois, “as pessoas, devido ao fenómeno da inércia, habituam-se a uma realidade e gostam de viver com ela. Mas o desafio deste novo século é o desafio da mudança. O que a escola tem de dar são quadros mentais e a possibilidade da formação de princípios livremente assumidos por cada qual”.
Resta então saber o que tem de mudar na escola. “Não tem que dar uma mesma formação para um mesmo tipo de emprego, que entretanto mudou. Precisa por isso da humildade e da capacidade de adaptação para encarar a realidade e se ajustar a ela. O emprego mudou. Há novos desafios de emprego, novas tecnologias que impõem novas saídas profissionais. Há a própria mudança social que impõe essas novas saídas profissionais”.
A lógica terá de ser por isso de um desenvolvimento da escola que acompanhe o desenvolvimento social, o que se pode fazer ao nível do ensino superior. “Sendo um ensino mais leve e recente, o politécnico deve fazer aquilo que um ensino mais antigo e mais pesado não pode fazer com tanta facilidade: adapte-se e ajuste-se. Porque esta é, em princípio, uma vantagem comparativa que tem, ou seja, a
flexibilidade”.
UMA NECESSIDADE SEGUNDO
MARCELO
A reforma do Ensino
Na passada segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa participou numa conferência do Semanário Económico sobre a sociedade do conhecimento e da competitividade. Uma participação que ficou marcada pela apresentação das linhas para uma reforma do sistema educativo.
Em declarações à TSF, Marcelo afirma que há prioridades de acção no sistema educativo que passam pela descentralização das decisões, pela formação urgente dos professores e pela separação entre a gestão dos ensinos básico e secundário do ensino superior. “A profunda mudança que se impõe, sem demora, no sistema educativo português requer a separação governamental entre a gestão da educação pré-escolar, ensino básico e secundário, acções complementares, e a responsabilidade pelo ensino superior e ciência”.
O antigo líder do PSD afirma ainda que a nova estrutura governamental que defende para o sector da educação seria feita “sob a égide de um vice-primeiro ministro coordenador dessas áreas e também da cultura e do seu responsável imediato”.
No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa diz que “ainda que assim não seja, e que continue a não haver nenhuma ligação, por exemplo, entre o ensino superior e a ciência, o essencial é a mudança de cultura cívica”.
Mudança que propõe a para de outras, como é o caso de uma maior exigência em termos pedagógicos, o combate à info-exclusão, a revisão do estatuto da carreira docente e a abertura de uma relação verdadeira entre a escola e a sociedade.
As vidas de
uma vida
À beira dos 51 anos, Marcelo Rebelo de Sousa é licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, onde concluiu também o Doutoramento em Direito (Ciências Jurídico-políticas), sendo hoje catedrático da Faculdade de Direito daquela universidade.
Professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, foi também presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, além de membro do Senado Universitário de 1985 a 1989.
Voltou a ser eleito para o Senado de 92 a 95, cargo que acumulou com o de presidente do Conselho Pedagógico. É autor de inúmeras obras científicas e membro de associações jurídicas nacionais e internacionais. Foi membro da Comissão Instaladora da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e professor catedrático convidado da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Ligado ao mundo do jornalismo desde cedo, foi um dos fundadores do semanário Expresso, onde foi administrador, administrador-delegado, sub-director e director interino. Também foi fundador e presidente do Conselho de Administração do semanário “Semanário”, de 1983 a 1987.
Colaborador frequente da rádio e da televisão desde 1974, iniciou a sua colaboração em jornais em 1970. Desempenhou o cargo de editor de várias publicações e as pessoas ainda hoje se recordam da sua colaboração na TSF, de 93 a 96, com o denominado Exame Semanal.
Desde 1994 é membro da Junta Directiva da Casa de Bragança, a fundação portuguesa com o mais rico património histórico. Foi secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros entre 81 e 82, altura em que foi nomeado ministro para os Assuntos Parlamentares.
Deputado municipal em Lisboa e deputado à Assembleia Metropolitana, Marcelo Rebelo de Sousa é actualmente presidente da Assembleia Municipal de Celorico de Basto, presidiu ao PSD de 96 a 99, e é membro do Conselho de Estado. Cargo para o qual foi eleito pela Assembleia da República e que desempenhará até
2003.
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