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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº27    Maio 2000

 

Cultura

 


GENTE & LIVROS

Graham Greene

“Como posso eu evocá-la, para uma pessoa estranha, tal qual parou no vestíbulo, ao fundo da escada, voltada para nós? Nunca fui capaz de descrever sequer as minhas personagens de ficção, a não ser pelos seus actos. Sempre julguei preferível que, num romance, o leitor fique livre de imaginar uma personagem a seu gosto – não pretendo fornecer-lhe ilustrações já prontas. E agora a minha própria técnica me trai, pois que não quero que outra mulher me substitua a Sarah, e sim que o leitor veja a testa larga e a boca impudente, a forma da cabeças; mas só consigo invocar uma vaga figura, envolta numa gabardine gotejante, a voltar-se para nós e a dizer: - O que é, Henry? – e logo a seguir: - Você? Sempre me trata assim. «É você?», ao telefone. «Pode? Quer? Ah, sim?», a tal ponto que por momentos eu chegara idiotamente a pensar que só havia um «tu» no mundo e que era eu”.

in O Fim da Aventura

 

Henry Graham Greene, escritor inglês, nasceu a 2 de Outubro de 1904 e morreu em 1991. O pai era professor-chefe em Berkhamsted School. Greene estuda aí e mais tarde em Oxford. Após terminar os estudos, trabalha no jornal de Nottingham.

Em 1926 converte-se à religião católica Apostólica Romana e é baptizado. Um ano depois casa com Vivienne Dayrell-Browning, também ela católica. Desse casamento nascem dois filhos. De 1926 a 29 é sub-editor do jornal Times. Faz crítica de cinema no Spectactor do qual posteriormente é director literário em 40 e 41. Foi ainda director literário do Editorial Eyre & Spottiswoode e orientou de Bodley Head. Fez serviço de reportagem para a revista norte-americana Life. 

Em 1941 ingressa nos Serviços Secretos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, passando três anos em Lagos e Freetown.

Da sua bibliografia mencionamos: os romances Oriente-Expresso, O Fim da Aventura, Pago para Matar, O Ministério do Medo, O Poder e a Glória, O Nó do Problema, O Décimo Homem, Quem Ganha Perde e O Nosso Agente em Havana; teatro A Casa dos Vivos; os contos O Fim da Festa, Passeio ao Campo e o ensaio Ensaios Católicos.

O LIVRO. No início do livro O Fim da Aventura o escritor Maurice Bendrix diz-nos “Uma história não tem princípio ou fim: escolhemos arbitráriamente um momento da experiência, de onde olhar para trás, ou olhar para diante.”.Esta é uma história contada na primeira pessoa. 

Um ano e meio após o rompimento do affair entre Bendrix e Sarah, Bendrix encontra Henry. Este, marido de Sarah, desconfia que ela o trai e pede ajuda a Bendrix. Ele, que nunca soube porque Sarah o abandonara, propõe-se contratar um detective, “usurpando o papel” de marido ciumento. Com a investigação descobre porque ela o teve de deixar.

O Fim da Aventura foi adaptado ao cinema pelo realizador Neil Jordan com Ralph Fiennes e Julianne Moore
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Eugénia Sousa

Maria F. Baptista

 

 

 

Novidades

PIAGET. O Instituto Piaget publicou Cérebro E Consciência - O self e o cérebro de John C. Eccles. Eccles consagrou a sua vida ao estudo do cérebro e à defesa de uma teoria dualista. Fundamentou cientificamente a teoria de que o espírito, consciente de si mesmo, exerce uma acção efectiva sobre o cérebro. Sir John Carew Eccles (1903-1997) fisiologista australiano, é reconhecido pelos seus estudos de neurofisiologia. Centrou o seu trabalho nas modificações químicas das transmissões nervosas e foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Medicina em 1963.

EUROPA-AMÉRICA. As Publicações Europa-América editam O Velho Nilo - Viagem À Nascente de Stanley Stewart. Actualmente escritor-jornalista, Stewart já desempenhou muitos outros “papéis”: agricultor na Toscânia, pescador na Irlanda, cameraman na Turquia e no Irão e membro da Persian Royal Road Expedicion. Vencedor do Prémio Thomas Cook/Daily Telegraph para Livros de Viagens, o escritor mistura-se com as populações observando de perto a realidade presente destas paragens e quatro mil anos de História do Nilo. «O vento sopra e o barco avança e não depende de nós ficar» (ditado egípcio).

 


 


BOCAS DO GALINHEIRO

Woody Allen, sempre

Vem aí o novo filme de Woody Allen. Apresentado, como já vem sendo hábito no mês de Março, Sweet and Lowdown deve aparecer por aí, mais dia menos dia. Para mim, um incondicional do novaiorquino, é fita a não perder. A paixão pelo cinema já vem de longa data. E, como em quase tudo, há influências. Um dos responsáveis, entre outros, muitos, para o fortalecer dessa paixão foi sem dúvida Woody Allen.

Nascido a 1 de Dezembro de 1935 em New York, Allen Stewart Konigsberg, Woody Allen para o cinema, iniciou-se na escrita de gags para Earl Wilson e Ed Sullivan e para as emissões televisivas de Sid Caesar, Jack Paar e Gary Moore. Mais tarde passa a entertainer em salas da Greenwich Village. Em 1965 começa a publicar textos em revistas tão diferentes como a New Yorker e a Playboy. De guionista e dramaturgo a realizador foi um passo.

Não vi ainda What’s Up, Tiger Lily, mas desde Take The Money and Run (1969) que frequento assiduamente e sem falhas Woody Allen. Primeiro pelo humor, a princípio hilariante, depois cáustico e corrosivo. Judeu, dizem. Tudo bem. Mas há ali também a piada directa, à Bob Hope, ou desconcertante, habilidades à Irmãos Marx, facção Groucho! A sátira política de Bananas (1971), o golpe em directo e comentado (quão profético, face à actual televisão!) e o sexo, sempre o sexo, ou, antes , os fantasmas sexuais de Allen?

Absolutamente imperdíveis, o acto sexual, como se de um combate de boxe se tratasse, em Bananas, ou esse espectacular ABC do Amor (1972) o título em inglês é enorme, mas sugestivo (Everything You Always Wanted To Know About Sex But Were Afraid To Ask) em que cada sketch, além de beber em estilos cinematográficos diferentes, nos delicia com os tais traumas freudianos.

Em Sleeper (1973) é o humor ao clássico estilo americano que nos oferece, com uma personagem inspirada em Rip Van Winckle, criação do humorista Washington Irving, referência obrigatória do estilo.

Depois do peculiar Love and Death (1975), homenagem aos grandes romancistas russos, uma das suas paixões assumidas, daí que seja uma das suas películas em que o texto é omnipresente, realiza Annie Hall (1977), Oscar para o melhor filme e uma das suas obras primas. O começo do seu distanciamento da imagem de comediante clássico, para se fixar na abordagem de temas que lhe são tão caros como o amor, a morte, a doença, os encontros e desencontros, enfim, um certo maniqueísmo, sempre a balançar entre o cómico e o trágico.

Outra das características do cinema de Woody Allen é o seu, quase permanente, carácter auto- biográfico. Allen expõe-se em cada um dos seus filmes. Mostra-nos o seu mundo, explica-o e divaga à volta dele. Uns são as suas recordações de juventude: Radio Days (1987), The Purple Rose of Cairo (1985) ou Broadway Danny Rose (1984). Noutros ajusta contas como em Maridos e Mulheres (1992), O Misterioso Assassínio em Manhattan (1993), Alice (1990) ou As Faces de Harry (1997), o autor mais uma vez em busca de si próprio, numa fita em que realidade e ficção se entrelaçam, pondo ambas em causa. Complicado?Não. Woody Allen. Um longo ciclo onde se incluem os anos Mia Farrow, fechado com Alice. Melhor para nós que pudemos assistir à abertura de um novo período da obra de Allen, talvez já iniciado com o misterioso assassínio e que compreende, seguramente, Balas sobre a Broadway (1994), confirmado com a divinal comédia Poderosa Afrodite (1994) e continuado pelo surpreendente Everyone Says I Love You (1996) deliciosamente musical. Com Celebrity (1999) disseca a busca de celebridade. Muitas vezes a qualquer preço. Sabe-se que nem todos a conseguem. Por ali passam alguns tiques dos famosos, ou falsos famosos. A troco de quase nada: os tais quinze minutos de celebridade de que falava Andy Warhol. Com estrelas de verdade, Allen ficou atrás da câmara, projectando-se num enorme Kenneth Branagh.

Pelo meio momentos altos como Zelig (1983), o homem camaleão/Allen?; o fabuloso Manhattan (1979), serviço a la carte dos seus heróis, Marx, o Groucho, claro, Willie Mays, o jogador de baseball, Louis Armstrong, ou não fosse Woody Alle um terrível amador/praticante de Jazz, Marlon Brando, Frank Sinatra e, tinha que ser, Igmar Bergman. É sabida a veneração de Allen pelo realizador sueco, de que Interiores (1978) é disso o símbolo máximo, uma homenagem comprometida ao grande mestre, ou o não menos espectacular Sombras e Nevoeiro (1992), adaptação livre de A Ópera dos Três Vinténs, de Kurt Weil e Bertold Brecht, mas também uma homenagem (outra) de Allen ao expressionismo alemão e, mais uma vez presente, a Bergman.

Sweet and Lowdown (na foto) é a história do segundo maior guitarrista de jazz de todos os tempos, interpretado por Sean Penn. Superior ao seu talento só mesmo o seu mau carácter e, claro, o grande Django Reinhardt, esse sim o maior guitarrista de sempre. Uma sentida, mais uma, homenagem de Woody Allen ao Jazz, o que já se havia confirmado nas suas bandas sonoras, e a outro dos seus realizadores preferidos, Fellini e a um dos seus filmes mais importantes: La Strada. Ao que consta, mais uma pérola na sua já longa e genial filmografia.

Como escreveu Bertrand Tavernier, “depois de Cassavetes, a marginalização, aparentemente definitiva de Altman (redescoberto, acrescento eu) e a forçada, ainda que talvez passageira conversão à sensatez de Coppola, Allen é, agora, com Scorcese, um dos últimos autores originais do que foi o novo cinema norte americano depois de 1968”
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Luís Dinis da Rosa

 


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