Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº29    Julho 2000

 

Editorial

Dos Formadores à Formação


Temos que reconhecer a escassez de estudos sobre os formadores que investem o seu saber e o seu saber fazer na formação de professores, ou seja, a quase ausência de investigação sobre a formação dos que induzem arquétipos e modelos de actuação, condicionando as expectativas, as representações, as imagens, as atitudes e comportamentos dos que querem (e podem?) ingressar na careira docente.

A explicação mais fácil para justificar esta ausência de referências sorvidas da pesquisa, seja ela qualitativa ou quantitativa, é de que são os próprios formadores que conduzem, sugerem e produzem os projectos investigativos sobre as experiências que levam a cabo, sobre as necessidades da formação, sobre o perfil dos formandos. Isto é: o objecto de estudo são sempre “os outros” e nunca aqueles que deveriam também ser autores, actores e produto da investigação.

Não sabemos se vale a pena gastar muitas palavras sobre a urgência e emergência de alterar tal situação. De modificar um dos maiores estigmas que, hoje, condicionam a formação, e que resulta da sistemática insuspeita sobre a infalibilidade dos saberes, da hierárquica impunidade das opiniões, da suposta eficiência e actualização dos professores formadores, apenas... porque são eles que, política e administrativamente, são os responsáveis pelos processos de formação.

Numa época que provoca e justifica a desactualização permanente, em que os dados emergentes da literatura e das práticas colocam a necessidade de pôr em causa, ou repensar, os modelos e os procedimentos formativos, seria útil que, numa atitude de humildade profissional e coragem investigadora, os formadores começassem por interrogar o seu papel nos percursos formativos. Que indagassem a sua parte de responsabilidade da aparente ineficácia de algumas formações que se desejam sólidas, prospectivas no claro entendimento de que preparam docentes capazes de enfrentar os desafios do futuro e combater a erosão profissional.

Nos últimos anos tem-se vindo a assistir à introdução de perspectivas menos directivas, baseadas na investigação na acção, na cooperação entre formandos e formadores, na reflexão sobre e na acção. Mas também é legítima a dúvida sobre se existe, ou não, apenas um “modismo”, um novo “linguajar pedagógico” que presumidamente alterou os discursos mas, no essencial, mantém posicionamentos, matrizes e actuações que em nada modificam a cultura profissional dos formadores, as expectativas dos formandos e a cultura organizacional das escolas.

Se a desculpa para a manutenção deste quadro resulta da suspeição de que o investigador dificilmente poderá ser sujeito e objecto da pesquisa, só estaremos a contribuir para sedimentar uma suspeita, bem mais grave, e que é a que resulta da (legítima?) desconfiança que recai sobre muitos processos e pressupostos formativos, acantonados nas mais dignas instituições formadoras.

A presunção da permanente inocência, omnisciência e clarividência dos formadores induz à lenta morte, à insuportável agonia de todas as estratégias de formação que, com tantos e tamanhos sacrifícios, têm vindo a ajudar a erguer e a edificar um sistema nacional de formação inicial e permanente de professores.

Não se trata de alterar, por alterar, mas, isso sim, de lançar um sereno desafio à reflexão, à reflexão sobre a eficiência na acção dos processos formativos dos próprios formadores, antes de se cometer o pecado pouco original de aduzir da sua infalibilidade. É que, consta e também se diz, ninguém pode dar aquilo que nunca teve.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

 


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