Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº23    Janeiro 2000

 

Opinião

 

Ensino Politécnico:
Que perspectivas?

A anunciada intenção do Governo propor à Assembleia da República uma Lei Quadro sobre o ensino superior vem trazer novamente para a ordem do dia o debate sobre a eventual criação de novas universidades, incitando ainda mais as expectativas e reivindicações de muitas regiões.

Recorde-se o caso de Viseu, entre outros, aquando da criação da nova Faculdade de Medicina, em que a par do Instituto Politécnico, da Universidade Católica e do Instituto Jean Piaget reclama ainda a existência do Ensino Universitário Público.

Tal pretensão, nestes termos, só pode ser interpretada à luz da demagogia ou então por desconhecimento da realidade do ensino superior em Portugal.

Recuemos um pouco no tempo, para melhor compreendermos a evolução do ensino superior.

Em 1973, contavam-se pelos dedos de uma das mãos as universidades existentes, designadamente Coimbra, Lisboa, Porto e Técnica de Lisboa.

Os primeiros sinais de mudança datam ainda desse ano, com a chamada “Reforma Veiga Simão” que cria os Institutos Politécnicos, conferindo o grau de Bacharelato.

Em 1977 são criados definitivamente os então cursos superiores de curta duração. Assim, são criadas pelo Dec. Lei 427-B/77, de 14 de Outubro as Escolas Superiores Técnicas e as Escolas Superiores de Educação.

Para a gestação dos Politécnicos muito terá contribuído a incapacidade das Universidades “Clássicas” de se auto-reformarem, sem que tivessem de ser confrontadas com um novo sistema de ensino superior.

A oferta de vagas no ensino universitário crescia de forma muito lenta, a que não era alheia a criação das Universidades Nova de Lisboa, Aveiro, Minho e o Instituto Universitário de Évora, também em 1973.

Ainda na década de 70 foram criados os Institutos Universitários da Beira Interior, Trás-os-Montes e Alto Douro, Açores e Madeira e ainda a Universidade do Algarve. Estes institutos passariam mais tarde a universidades.

Nos últimos anos da década de 80 assiste-se à expansão do ensino superior privado e público, embora este a um ritmo muito mais lento.

De acordo com os dados da Direcção Geral do Ensino Superior, entre 1987 e 1992, o número de vagas no ensino privado aumentou 250% contra 40% do ensino público.

São vários os factores que contribuem para a expansão e diversificação do ensino superior, embora a dinâmica de crescimento de cada um dos subsistemas seja, como vimos, bastante desigual, sublinhando-se a forte pressão da procura em consequência do elevado número de alunos que no final dos anos 80 conclui o ensino secundário. Segundo a D.G. Ensino Superior são 124 979 os alunos que terminam o ensino secundário no ano lectivo de 1990/91.

Para além do elevado número de finalistas do secundário, acresce ainda o facto de a dificuldade de emprego no mercado do trabalho induzir os indivíduos a prosseguirem os estudos.

Face à incapacidade do ensino público satisfazer a ansiedade e aspiração de tantos jovens, o ensino privado vê criadas todas as condições para a sua expansão, a que não é também indiferente a “abolição do carácter eliminatório dos exames de acesso” (1), em 1989.

Para o crescimento do ensino superior público contribuiu decisivamente o ensino politécnico, sendo o crescimento deste, entre 1986 e 1996, de 317% contra 74% do ensino universitário.

De acordo com Roberto Carneiro, “o ensino superior politécnico é um produto da vontade basista das populações que residem longe dos centros universitários tradicionais” (2).

Assim, o ensino politécnico é consequência do processo de democratização do país, através do qual a população viu as suas possibilidades de dar resposta às expectativas de ascensão social e da pressão política das regiões para disporem de ensino superior.

Recorde-se que o ensino universitário sempre foi entendido como “símbolo de pertença” das classe mais favorecidas.

Sendo o ensino politécnico de pendor eminentemente profissio-nalizante, portanto de natureza teórico-prática e orientado, por conseguinte, para os problemas concretos, ele constitui-se como um instrumento insubstituível no desenvolvimento das regiões. Aliás este é um dos objectivos da criação do ensino politécnico, constituindo-se como o elo de ligação entre o sistema educativo e o sistema produtivo.

Ao contrário do ensino universitário, mais conceptual e teórico, o ensino politécnico consubstancia-se na gestão integrada do conhecimento, o que pressupõe a articulação dos saberes codificados (princípio básicos, regras e ideias) e tácito, ou seja o saber resultante da experiência.

Várias têm sido as discussões em torno do saber teórico e do saber-fazer.

Condorcet, um dos pais da modernidade racionalista, já em 1792, se insurgia “contra a insistência num ensino essencialmente erudito e retórico” (3) .

Face à massificação do acesso ao ensino, ao processo de globalização, às novas tecnologias e às alterações na estrutura do emprego - cada vez menos um emprego é para toda a vida - o ensino politécnico constitui-se hoje como uma forte alternativa ao ensino universitário.

Dada a facilidade com o que os politécnicos, pela sua natureza, são capazes de perscrutar o pulsar do mercado de trabalho, sabendo ajustar-se, em cada momento, às suas exigências, este passou a privilegiar os diplomados que reunissem o saber teórico-prático.

Assim, a preferência do mercado de trabalho por aqueles diplomados e a necessidade de contenção das despesas - recorde-se que os custos por aluno do ensino Politécnico correspondem a 75% dos do ensino universitário - têm levado as universidades a aproximarem-se cada vez mais, embora tímida e envergonhadamente, ao modelo de formação dos Politécnicos, introduzindo nos seus planos de estudos aulas práticas e estágios.

Daí que as fronteiras entre os campos de actuação de cada um dos subsistemas tendam a esbater-se.

Com as alterações introduzidas na Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1997, procedeu-se à uniformização dos graus conferidos quer pelos Politécnicos quer pelas Universidades, podendo agora os dois subsistemas atribuir aos graus de bacharel e licenciado.

Apesar da diversa legislação sobre o ensino superior politécnico acentuar a necessidade de desenvolvimento da investigação, que por tornar-se fastidioso nos dispensamos agora de citar, não se compreende que a atribuição dos graus de mestre e doutor continue a ser exclusiva das universidades.

Não perfilhamos um tipo de investigação universitária, mais orientado no sentido da produção conceptual, que terá a médio e a longo prazo repercussões em termos do desenvolvimento, mas antes um tipo de investigação que coloque a ênfase, a exemplo da formação inicial, na investigação aplicada e concreta capaz de responder às necessidades imediatas das empresas e de representar para estas uma mais-valia.

Apesar do Grau de Doutor ter sido essencialmente, durante décadas, em Portugal, uma prova para progressão na carreira docente universitária sem qualquer relação com o “exercício de actividades profissionais” e o grau de mestre, que apesar de à data da sua criação (1980) ser uma cópia do grau de doutor, aponta já para outras finalidades que não se esgotam no imperativo da progressão no Ensino Superior, somos de opinião que a Formação Pós-Graduada (mestrado e doutoramento) deve ser orientada, também no sentido da formação de quadros altamente especializados das empresas.
Apesar do progresso que se tem verificado, sobretudo ao nível do mestrado, nos últimos anos, o país apresenta o menor número de mestres e doutores na União Europeia.

Tal deve-se à incapacidade do Sistema Universitário dar resposta adequada no domínio da pós-graduação em todas as áreas de conhecimento (nas áreas artísticas a formação não existe).

Mesmo ao nível da formação de docentes do Ensino Superior, a dinâmica de expansão instituída no sistema deve-se em grande parte ao contributo dos programas PRAXIS XXI e PRODEP, tendo sido financiados ao abrigo deste desde 1994, cerca de 1100 mestres e 1500 doutores.

Importa pois reenquadrar toda a formação pós-graduada, clarificando as suas formalidades e que estas não se esgotem apenas no “desenvolvimento da capacidade para a prática da investigação” (Dec.-Lei nº 216/92 de 13/10) mas também seja orientada para a “formação de quadros altamente especializados”.

Dada a matriz de formação do politécnico ao nível da formação inicial, também na formação pós-graduada os politécnicos não podem ser ignorados desde que respeitem os mesmos requisitos de competência e qualidade exigidos às universidades, sob pena deste tipo de ensino ser subvalorizado.

Ainda sobre a evolução do ensino superior, importa sublinhar que a partir de 1996 a oferta conjunta de vagas pelo ensino público e privado excede significativamente o número de candidatos.

Tal situação deve-se por um lado à redução do número de candidatos em consequência da introdução de exames obrigatórios, em 1995, para conclusão do ensino secundário e, por outro lado, ao aumento do número de vagas no ensino público, o que vem reduzir a importância do sector privado.

Recorde-se que no ano lectivo de 1997/98 as escolas do ensino privado só preencheram 48% das suas vagas. A este propósito, o ainda então Director Geral do Ensino Superior, Prof. Pedro Lourtie, em entrevista ao “Ensino Magazine”, de Junho de 99, referia “Neste momento, o número de instituições privadas é exagerado, dado o grande aumento verificado não apenas no sector privado, como no público”.

De acordo com os dados da D.G. do E. Superior, o sistema público conta hoje com 14 Universidades, 5 instituições universitárias não integradas, 16 Institutos Politécnicos e 32 instituições politécnicas não integradas. O número de instituições do ensino privado é de 119.

A redução do número jovens em condições de aceder ao Ensino Superior nos próximos anos tenderá, no mínimo, a estabilizar o número de alunos.

Daí que, e voltando à questão inicial, a criação de novas universidades em regiões onde já existam outras instituições do ensino público e mesmo privado, nos pareça insensata e representaria para o país um esforço acrescido e induziria à sub-utilização das estruturas já existentes. Reconhecemos contudo que a instituição universitária representa ainda no imaginário de grande parte da população um prestígio maior relativamente ao politécnico, o que faz aumentar ainda mais a pressão política das regiões junto do poder central para a existência de universidades.

Anunciada que foi a intenção do Governo apresentar à Assembleia da República uma Lei Quadro para o Ensino Superior, é legitimo esperar dos decisores políticos uma resposta global para o país, sem que se caia na tentação de satisfazer apenas aqueles que têm capacidade reivindicativa ou gritem mais alto, e que em nossa opinião - por aquilo que atrás foi dito - passará pela passagem dos Institutos Politécnicos a Universidades Politécnicas, o que bastará para tanto apenas mudar o nome, mantendo estas sempre a matriz de formação mais profissionalizante.

Importa agora, e na sequência das medidas governativas já introduzidas, canalizar todas as energias no sentido da melhoria qualitativa do Ensino Superior e que passa, entre outras, pelo reforço e atribuição do mesmo tipo da autonomia a todas as instituições, pela avaliação regular de todos os cursos ministrados, pelo aumento e melhoria das instalações, pelo reforço do sistema de acção social, porque cremos ser isto o que o país espera do Sistema do Ensino Superior.

(1) in O Ensino Superior em Portugal, Lisboa, D.G. E. Superior, 1999, p.14.

(2) In Comunicação ao 3º. Congresso do Ensino Superior Politécncio, em 18 de Fevereiro de 1998.

(3) Roberto Carneiro, op.cit.

 

Fernando Raposo

 


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