Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº34    Dezembro 2000

Opinião

CRÓNICA

Ferrero Rocher

Confesso que não dei a atenção devida, aproximadamente pela hora do jantar de 4 de Dezembro de 1980, à queda fatal e inesperada do pequeno avião em Camarate.

Comemorava-se um qualquer aniversário em casa e o único contratempo foi a ausência de programação televisiva dessa noite. Mais tarde, ainda confirmei a justeza da minha atitude, quando vi erguer em plena Praça do Areeiro, tão aberrante monumento à principal vítima do acidente referido. Erro meu.

O evento haveria de fazer parte da ementa, manipulando o açúcar das filhós, ano após ano, passadas seis comissões de inquérito, não sei quantos exames periciais ao local do acidente, outras tantas tomadas de posição e o seu contrário, recheadas de mistério por dotados na adivinhação e na especulação, em nome de convicções sêrodias ou de inspiração a quente e quase sempre misturadas com insultos às instituições democráticas, próprias de novela de faca e alguidar.

Passados vinte anos, ainda se demitem governantes, se criminalizam vozes e atitudes, dos que outrora calaram, ou por que afinal falaram e não deviam, etc.

É com esta massa que se fazem mártires e santos. Quantos, ao longo desta vintena de anos, não se reclamaram do espírito, da filosofia, ou simplesmente da praxis das ilustres vítimas? Quantos elevaram aos píncaros a memória, as qualidades quase humanamente inatingíveis dos defuntos políticos?

Como se tudo isto não bastasse, todos os anos surgem novas provas, velhas recentes afirmações, contornos obscuros que já foram claros e evidentes, ou dados clarificadores tidos por inverosímeis bastas vezes no passado. E assim por diante, com as televisões a entrevistar novíssimas testemunhas, capazes de refazer toda a história trágica, outras vezes sórdida, duma noite em que escaparam por uma unha negra de um telhado subitamente desabando, dum destroço metálico transviado, ganhando em troca uns segundos de audiência num qualquer telejornal.

Afinal quem é que de nada sabe e fala; quem é que, de tudo conhecedor, nada diz ou quer dizer?

A quadra é propícia a frases bonitas, oratórias consensuais, perdões vários, sublimação de diferenças, tolerância máxima, (ficando aqui ressalvada a acção da Brigada de Trânsito da GNR) e demais fingimentos.

Por tanto pensar em mimos tais, apeteceu-me algo excepcionalmente diferente.

Tomei a liberdade de remover finalmente o adorno natalício ao merecido chocolate e mandar encerrar este processo naquilo que à minha paciente memória diz respeito.

João de Sousa Teixeira

 


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