EPAULO MATOS EM
ENTREVISTA
A arte de encenar
Paulo Matos, actor, encenador, professor de teatro é hoje conhecido pelos portugueses pelas inúmeras personagens que abraçou, quer em séries televisivas, quer em cinema. Conde de Abranhos foi o último dos papéis que encarnou e que lhe deu especial prazer, por se tratar de uma série de “grande qualidade, e de um personagem com várias facetas, que tão depressa é genial, como depois toma atitudes insensatas”. Paulo Matos concluiu, em 1981, o curso Superior de Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa, com tese na variante de formação de actores e
encenadores. No entanto a sua actividade começou anos antes, em 1978, trabalhando na altura com grandes nomes do teatro nacional, como Carlos Avilez, Rogério de Carvalho e Jorge Silva Melo.
As primeiras experiências como encenador foram feitas no teatro universitário, montando textos de Alfred de Musset, Robert Browning, Marcelino Mesquita e Jorge Sena. Mas a sua formação não se ficou apenas pelo curso concluído no Conservatório Nacional. Em 1983, Paulo Matos partiu à descoberta de Paris, como Bolseiro de governo francês, obtendo o diploma da Escola de Teatro Jacques Lecop, concluindo também os cursos de Licence e de Maîtrise, em estudos Superiores de Teatro, leccionados pela Universidade de Paris III. É durante os quatro anos que está em Paris que participa em estágios com Ariane Mnouchkine, Giorgio Strehler e Peter Brook.
Nos últimos anos, Paulo Matos tem trabalhado, como actor, quase na totalidade das companhias de teatro de Lisboa, com encenadores bem conhecidos casos de João Lourenço, Norberto Barroca, Carlos Avilez, Joaquim Benite, Josef Szanja ou Rogério Carvalho. Tem ainda participado em diversos filmes de Manoel de Oliveira, João Botelho, António Macedo e Franc Apprédéris.
Além do teatro, do cinema e da televisão, onde tem desempenhado papéis para realizadores como Herlander Peyroteo, Walter Avancini ou Nicolau Breyner, Paulo Matos ensina teatro, na área da produção e gestão de acontecimentos culturais e da encenação. É, aliás, na encenação que se tem destacado na apresentação de autores como David Mamet, Vicente Sanches e Terry Johnson, entre outros. Na publicidade, a sua cara ficou ligada uma conhecida marca de detergentes, uma experiência que se dilui entre o extenso currículo de Paulo Matos, que em entrevista ao Ensino Magazine explica o estado do teatro em Portugal.
Como é que classifica o teatro em Portugal?
O teatro em Portugal, depois dos anos pós 25 de Abril, em que foi muito interveniente e experimental, passou por uma crise. Uma crise geral, de caminhos, de público, nos anos 80. Isto deveu-se ao esgotamento das fórmulas de fazer teatro que existiam, e a uma certa decadência da Revista, que não esteve relacionada com o 25 de Abril, mas sim com a evolução dos gostos e das mentalidades do público. Por outro lado houve a decadência do teatro comercial e o desfazamento do teatro político, onde as pessoas já não se divertiam a ver e ouvir essas peças. A acrescentar a tudo isto, o poder Estado e os mecenas não apoiaram o teatro nesse período. Ou seja as pessoas começaram a exigir melhores espaços, mais luzes. Neste momento, por via da renovação dos
intervenientes de teatro e dos caminhos, do investimento que as entidades fizeram no teatro, e da renovação das salas de teatro, como o Cine Teatro de Castelo Branco, penso que o teatro está no bom caminho, com muitos espectáculos e muito público.
Isso verifica-se também porque tem aparecido novos projectos de teatro, sobretudo na capital...
Evidentemente. Lisboa, há 15 anos atrás tinha meia dúzia de espectáculos em cena, numa noite de sábado. Agora tem 40 e há alturas do ano em que tem 80, o que demonstra isso.
O público também é mais exigente?
E ainda bem que é assim, trata-se da lei da concorrência aplicada à arte. Ou seja, a arte não tem que aferir só pela quantidade do público, há outros critérios importantes, como da afirmação da mensagem do artista que quer
impor a sua linha. Mas a aferição do público é muito importante, pois se tiver muitos espectadores é gratificante.
E na província, também se nota uma evolução no nível cultural do público?
Quando há pouco falei do teatro estava a referir-me ao País inteiro. Houve muito teatro feito na província, que entretanto decaiu e que agora voltou a aparecer com outra qualidade e com outro charme e prazer. Isto porque fora de Porto e Lisboa, o público está cada vez mais com vontade de ver o belo, o bonito, o bom. A ideia que em Lisboa e no Porto estão os bons e na província a ralé não tem lógica nenhuma. Eu percorro o País todo com o espectáculo de comédia que tenho, e os melhores públicos e com mais apetência por verem teatro são os da província. Em Lisboa é tudo normal, e as pessoas ficam um pouco indiferentes. E uma das causas para que isso suceda é a rede de teatros nas várias regiões do País, que o então ministro Carrilho lançou.
O facto dos artistas de teatro participarem em séries
televisivas também leva mais gente ao teatro?
Penso que sim. Isso é um intercâmbio salutar. Eu estou sempre a fazer teatro e tenho estado sempre a fazer televisão. E o facto de eu fazer televisão não influencia o modo como eu faço teatro. Mas cria-me a possibilidade de mais pessoas quererem assistir às minhas peças de teatro. Ou seja há uma mais valia, porque aumenta o prazer das pessoas verem peças de teatro e aumenta também o meu prazer de poder representar para todas aquelas pessoas.
Mas fazer televisão não dá tanto prazer como fazer teatro...
É um pouco verdade. O teatro é globalmente muito mais trabalhoso. Por exemplo, a peça que estou a encenar, Guerras de Alecrim e Manjerona, é uma ópera joco-séria, do barroco português, que dura três horas e meia, que envolve cantores, orquestras, marionetas que contracenam com os artistas,o que se torna muito moroso em colocar em cena. Mas quando sobe ao palco, o prazer que as pessoas e nós podemos ter quando produzimos o espectáculo, é muito superior, a uma cena de novela que no dia seguinte já não se lembra. Quem vê um espectáculo como este não se vai esquecer dele durante muitos anos.
Além do Guerras de Alecrim e Manjerona, tem outros projectos em carteira...
O meu próximo projecto é a montagem da peça Platonov, um grande clássico do século XX, que vou montar em Lisboa, no Teatro Trindade, com
Virgílio Castelo em protagonista, e Fernanda Serrano e Carmen Santos, como acompanhantes.
O cinema tem sido outra das áreas onde participa activamente, como demonstra o último filme de Manoel de Oliveira...
Confesso que ainda não vi o filme. É a quarta vez que trabalho com Manoel Oliveira, e considero-o como director e como pessoa alguém fascinante, com um sentido de humor que me fascina. Trabalhar com ele é sempre um enorme prazer, abandono tudo quando ele me chama. Independentemente dos seus filmes serem ou não polémicos. Ele gosta que sejam polémicos, pois nessa polémica existe a riqueza da sua própria cinematografia.
Por falar em polémica, Branca de Neve, o filme de João César Monteiro, está a levantar muitas vozes discordantes sobre a obra?
Eu não estou nada contra o filme. Penso que é perfeitamente possível, capaz de constituir para o espectador uma experiência única, muito particular, ao ouvir um texto com um ecrã a negro. Agora, aquilo que eu não concordo é que esse filme deva ser subsidiado com os meus dinheiros, com os dinheiros do Estado. Uma coisa é um realizador fazer uma obra inédita, que eu quero ver, e outra é aproveitar-se de um instituto do Estado para um determinado projecto e alterá-lo daquela forma radical. Isso é que eu acho que é imoral.
Conde de Abranhos foi a última das suas personagens em televisão. É difícil vestir a pele desse político?
Foi um grande desafio, é o meu personagem de televisão mais difícil. A maior dificuldade dele é que é muito multifacetado. Por vezes é brilhante de lucidez e de rasgos de inteligência, outras vezes é pateta e burro, sem perceber nada do que acontece. É um ser que se vai adaptando, de uma forma camaleão, muito ambicioso e mal ambicionado na sua ambição. Felizmente penso que a personagem está a ser muito bem conseguida.
As escolas de teatro têm evoluído, apareceram também escolas de artes. Pensa que isso contribui para o aparecimento de actores de melhor qualidade?
Há dois aspectos a considerar. Por um lado, é óbvio que as escolas vão melhorando o que faz aumentar os critérios de escolha. Por outro, há a ideia um pouco instalada que o actor é um espontâneo, tipo ele tem jeitinho então vamos dar-lhe já um textos. Isso é um erro que se paga caro, porque 9 em 10 casos essa pessoa que tem jeitinho se não passar por um período de formação, produzirá sempre um trabalho demasiado frágil e amador. Eu sou um incondicional defensor das escolas na formação dos actores.
Esse facto passa-se também com o aparecimento de modelos no mundo do teatro?
Exactamente, e não é por acaso que a televisão tenta lançar 50 caras novas nos seus programas e desse número só um é que consegue singrar. Agora também conheço colegas meus que vieram de modelos, e que após a sua primeira experiência recorreram à formação, porque é um erro que o palmo de cara chega para fazer isto ou aquilo. E a nossa televisão só envereda por esse caminho, porque ainda é muito jovem no capítulo da ficção. Quando tiver 20 ou 30 anos, como a TV Globo e a BBC vai chegar à conclusão que a carinha bonita, por si só, não resolve
nada.
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