FILIPE CRAWFORD E RUI
PAULO EM ENTREVISTA
O regresso dos
monstros

Filipe Crawford e Rui Paulo estão de regresso ao Teatro Casa da Comédia. Nos próximos cinco anos, cabe à empresa Filipe Crawford Produções Teatrais animar uma das mais carismáticas salas de espectáculos do país. E nada melhor que fazer regressar os monstros a Casa para que a Comédia seja ainda mais apetecível. Os dois actores, provavelmente mais conhecidos dos portugueses pelos papeis desempenhados em séries televisivas, como a Lenda da Garça, a telenovela emitida pela RTP1 quase todos os dias, e o Médico de Família, que vai para o ar na SIC semanalmente, estão empenhados em fazer um sucesso da peça Monstros III – o Regresso. Uma peça que também está em digressão pelo país, que segundo o próprio Filipe Crawford “trata em primeiro lugar da linguagem, do humor inteligente à volta da linguagem, da comunicação. Mas também aborda temas como a solidão, os filhos, os narizes e a auto-contemplação”.
Monstros III – O Regresso, reúne, mais uma vez textos de Roland Dulbillard, aquele autor que um dia escreveu mais ou menos isto: “o meu sofrimento está para a dor de dentes como a bruma onde nos perdemos está para o dente que se perdeu”. Mas a peça onde Filipe Crawford e Rui Paulo são os principais actores vai mais longe, e evoca grandes dramaturgos como Becket ou “os irmãos Marx, e o filósofo Karl Marx”. Monstros III surge depois do sucesso do dos Monstros Sagrados, em 1997, e dos Monstros em Cuecas, em 1997.
Foi no final de um desses espectáculos, em Castelo Branco, realizado no âmbito da Cultura Politécnica, que Ensino Magazine conversou com Filipe Crawford e Rui Paulo. Já sem as gravatas vermelhas que os acompanharam em cena, durante mais de uma hora, e enquanto se preparavam, no camarim, para um jantar merecido, os dois actores não tiveram dúvidas em considerar o Teatro como uma actividade fundamental para as suas carreiras e a excelente escola que é para jovens actores. Sim, porque referem que “há quem não comece por onde deva”. Ou seja, há actores que, na verdade não o são bem.
Esta é também a primeira vez que as conversas do Ensino Magazine são feitas a três. O Filipe Crawford, o Rui Paulo e nós. Então vamos às perguntas, porque se já chegou ao quarto parágrafo é porque está mesmo interessado em ler o que se segue.
Filipe Crawford, os monstros estão de regresso, numa peça que encheu por completo o auditório da Escola Superior de Educação. Por onde passam as vossas apostas no futuro?
Os nossos projectos enquanto dupla, pois esta aposta já dura algum tempo, desde 1996, é continuarmos com esta versão de Os Monstros III
- O regresso e mais tarde fazermos novos textos do Roland Dubillard. Penso que temos estado a funcionar muito bem, pois os espectáculos têm corrido de forma positiva. Como referi já trabalhamos juntos há alguns anos, e a ideia surgiu em Moçambique. Nós já nos conhecíamos, sabíamos qual era o trabalho desenvolvido por cada um de nós e, como eu andava à procura de alguém para fazer estas peças comigo, acabámos por desenvolver o projecto em conjunto.
Os Monstros estão de regresso e a Casa da Comédia, em Lisboa, também?
Sim... a empresa que está por trás destes espectáculos é a Filipe Crawford Produções Teatrais, que acaba de alugar a Casa da Comédia, por um período de cinco anos. Daí que tenhamos outros projectos para esse espaço. Já está a funcionar a Escola da Máscara, que é acima de tudo uma escola de ensino da representação, que está a leccionar desde Janeiro. Os cursos pretendem ser uma especialização para os actores. Além disso temos outros projectos...
E que projectos são esses?
O próximo a estrear é uma nova versão do espectáculo que se chama A Construção, onde eu também colocarei um monólogo de Dario Fo. Mais para o Verão teremos aquilo a que eu chamo de Golpe de Máscara, que é um pouco semelhante ao que fizemos, há cerca de 10 anos, com os Assaltos de Máscaras, ainda com o grupo Meia Preta. A Dança do Diabo, vai ser outra das peças a apresentar este ano, pelo actor Joaquim Nicolau, que também trabalhou comigo na Meia Preta.
A aposta na casa da Comédia é uma aposta arrojada?
É uma aposta arrojada, mas que eu considero gratificante. Ter um espaço de trabalho em Lisboa é muito difícil. Desde 1989 que trabalhava sem ter conseguido um espaço. Lembrámo-nos que a Casa da Comédia poderia ser a solução. Fui ter com o Filipe La Feria e propus-lhe o aluguer. Foi um grande investimento, não só monetário, mas também físico, pois nos últimos seis meses, até abrirmos o espaço, tivemos que fazer as restantes obras que não foram contempladas na empreitada. Acima de tudo considero que o investimento tem uma vertente gratificante, não só para nós, como para o público. A Casa da Comédia era um espaço que era criminoso estar fechado. E o mais caricato de tudo é que a casa da Comédia esteve fechada durante sete anos nas mãos do Ministério da Cultura... Mas o importante é que conseguimos reabilitar aquele teatro para a cidade.
E há público suficiente?
Tem havido algum. Não tanto como nós desejaríamos. Depois destes anos todos as pessoas esqueceram-se que havia a Casa da Comédia. O problema com que nos debatemos é ter os meios necessários para podermos promover o espaço, pois a recuperação do teatro levou-nos muito dinheiro. Estou convencido que essa situação vai melhorar, já que estamos a tentar sensibilizar algumas instituições, como a Câmara de Lisboa, para além do Ministério que já manifestou o seu apoio.
Mudando um pouco de assunto, em Portugal têm aparecido novos valores para o teatro nacional. O Rui Paulo pertence a uma geração mais nova de actores, concorda com esta ideia?
Sim, não há dúvida nenhuma sobre essa matéria. Nos últimos anos temos verificado isso, têm aparecido muitos actores jovens, embora muitos deles venham com um princípio não muito bom, que mais tarde tentam corrigir. E esse princípio é o facto de aparecerem na televisão e de serem famosos. A televisão em Portugal deu um grande salto nos últimos anos, e de repente toda a gente pensa que ser actor é aparecer no ecrã, ter muito dinheiro, carros desportivos e muitas namoradas.
O Filipe é da mesma opinião?
Hoje em dia não se vai estudar para actor. Vai-se estudar para se ser modelo para mais tarde se ser actor...
O Rui Paulo afirmou, no entanto, que têm aparecido novos actores com valor...
Sim, de qualquer maneira, é óbvio que, entre tanta gente, as pessoas que acabam por ficar são aquelas que sabem o que estão a fazer e querem mais do que isso. Porque aquelas pessoas que pensam nos carros, no
dinheiro, na fama e nas namoradas, acabam por desistir. Porque isto exige muito trabalho! De qualquer modo, têm aparecido novos actores e com valor.
O Teatro continua vivo na sociedade portuguesa?
Sim, sim... e apesar destas coisas todas o teatro está na mesma crise que estava na altura do Gil Vicente... Pelo que não é muito grave, são coisas que se resolvem.
A RTP e a SIC estão a apostar no cinema, sobretudo em tele-filmes. É uma revolução no meio artístico?
É! Penso que, desde que a SIC começou a emitir, começa-se a perceber que a ficção nacional é boa e que funciona. A partir daí começa verificar-se que há gente a escrever séries e que as séries portugueses são vistas por mais gente que as estrangeiras. E isso também é bom para o Teatro, pois as pessoas vêem-nos na televisão e querem vir ver-nos no Teatro e penso que isso ficou demonstrado neste espectáculo, onde não cabia mais uma formiga. Em relação ao cinema isso ainda vai ser mais evidente, pois cada vez mais se vê bom cinema nacional.
Quer o Filipe Crawford, quer o Rui Paulo já participaram em séries televisivas. Se tivessem que optar, o que é que escolheriam, teatro ou televisão?
Rui Paulo: Sem dúvida nenhuma, o teatro. Isso acontece com quase toda a gente. Há algumas excepções de actores que preferem o cinema. Mas a televisão penso que ninguém prefere. Porque a televisão, feita como é, nós temos que ir buscar estímulos a outras coisas. E agora já estão todos a pensar que é ao dinheiro. O que não é necessariamente, é importante haver um bom ambiente de trabalho, mas enquanto actor não dá um grande gozo. É um pouco construir um prédio ou uma vivenda. Os prédios a partir do primeiro andar são todos iguais, as vivendas sempre podem ser diferentes.
Filipe Crawford: Além disso, em televisão, aquilo que fazemos nunca está inteiramente nas nossas mãos, depende de toda uma série de circunstâncias, casos do guião, do realizador, pelo tipo de direcção, que na maior parte das vezes não existe, do facto de termos que decorar os textos em cima da hora. Ou seja a televisão é uma industria a funcionar. No teatro temos o privilégio e o prazer de ter o controlo absoluto daquilo que fazemos.
O Filipe Crawford é responsável pela Escola de Máscara, salvaguardando as devidas comparações, o Instituto Politécnico acaba de criara uma Escola Superior de Artes, e a Universidade da Beira Interior pensa fazer o mesmo. Em que medida é que isso será benéfico para o desenvolvimento do Teatro?
As escolas de artes são fundamentais e já deveriam ter sido criadas há mais tempo. Embora o Conservatório Nacional tenha tido uma hegemonia muito grande, não por questões apenas de qualidade de ensino, mas porque existe há mais tempo, penso que é de todo o interesse aparecerem mais escolas. Se bem que há um pequeno problema nesse aspecto. Por exemplo, falando em actores e encenadores, em Portugal não há lugar para muita gente. Eu já vi saírem fornadas de novos actores do Conservatório e poucos são os que sobrevivem e conseguem trabalhar. Se um dia começarmos a ter 100 alunos, por ano, a concluírem os seus cursos, convinha que houvesse mercado de trabalho para eles. Nesse aspecto as coisas estão mais atrasadas, porque não se criam condições para que haja mais companhias itinerantes ou residentes de província.
As caras da
entrevista
Filipe Crawford nasceu, em 1957, em Lisboa. Abraçou a carreira de actor há mais de vinte anos, e foi em 1976 que fez a sua estreia no Teatro A Comuna. Algum tempo depois integra o elenco da Casa da Comédia, dirigida por Filipe La Féria. Depois de concluído, em 1982, o Curso de Encenadores, frequenta a Escola Superior de Teatro de Estrasburgo e o Conservatório de Paris, como aluno bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Ainda em França frequenta também o Instituto de Estudos Teatrais da Sorbone Nouvelle, onde apresenta uma Maitrise de Estudos Teatrais sobre a máscara na formação do actor.
De regresso a Portugal cria o Curso de Técnica da Máscara, que começa a ministrar no Serviço de Belas Artes da Gulbenkian. Em 1989 funda a Companhia Meia Preta, com actores que participaram nos cursos de técnicas de máscara. Nos cinco anos seguintes é responsável pela encenação de interpretação dos espectáculos daquela companhia, casos de História do Tigre, Tarot ou a Viagem do Louco”. Em 1994, por falta de apoios encerra a Companhia Meia Preta, criando a empresa Filipe Crawford Produções Teatrais, que agora está a gerir a Casa da Comédia em Lisboa. Do seu vasto currículo destaque para o projecto da Escola da Máscara e para os cursos ministrados no Conservatório Nacional, Academia Contemporânea, e para a sua participação em séries televisivas. O último projecto teatral em cena são os Monstros III – O Regresso.
Rui Paulo tem 37 anos. A sua cara não é estranha á maioria dos Portugueses. Pelo menos daqueles que vêem a série televisiva Médico de Família, na SIC. Iniciou a sua actividade em 1983, no grupo (H)oraviva, onde realizou várias produções. Em 1985 passa a integrar o elenco do TAS, onde permanece até 1988.
Durante a sua ainda curta carreira, Rui Paulo participa em várias peças, como Maria Não Me Mates que Sou Tua Mãe; Jomeu e Rolieta; Malaquias – A História de um Homem Barbaramente Agredido; Bolero; ou na Minha Rua Ninguém Passa. Com Filipe Crawford fez os Monstros Sagrados, Monstros em Cuecas, e recentemente, Monstros III – O Regresso. Além do teatro participou em várias séries televisivas, como O Cacilheiro do Amor, O Posto, Desculpem Qualquer Coisinha, Nico De Obra, Reformado e Mal Pago, Os Senhores Doutores, Polícias e Médico de Família. Além disso tem feito dobragens de séries infantis e juvenis para estações de televisão. Da sua formação faz parte o curso de teatro do Ifict e o seminário de teatro acrobático, realizado em
Turim.
|
|
|