Escolas sim, mas
multicultural
A IX edição das Jornadas Pedagógicas da Associação Nacional de Professores, as III Transfronteiriças, marcam
definitivamente a fase adulta do evento. Nesta iniciativa, que encerrou as comemorações do segundo aniversário do Ensino Magazine, esteve
em debate o carácter utópico ou real da educação multicultural, tendo-se concluído que, se a ciência se relativiza para ficar ao serviço da pessoa,
a escola, que ajuda a formar a pessoa, não pode estar apenas subjugada à ciência. Algo com que o director regional de Educação do centro
concorda, assim como acontece com o presidente da Secção de Castelo Branco da ANP, António Trigueiros.
Vejamos agora o resumo possível das cinco comunicações proferidas.

Miguel Zabalza
(Universidade de Santiago de Compostela)
Não bastam reformas
A escola tem de rumar inevitavelmente à qualidade. Mas a qualidade é relativa numa escola multicultural, para todos os alunos. Não pode ser só medida pelas notas dos alunos. Se o for, a escola tende a excluir os que não atingem níveis altos para se manter os primeiros lugares do ranking.
Para rumar a essa qualidade é preciso identificar o que está mal na escola. Porém, todos atribuem culpas a alguém, ninguém as quer admitir. Os professores culpam as direcções da escola e os alunos. Os alunos e os pais culpam os professores. As direcções de escola queixam-se dos professores e do governo. O governo vê que o sistema não funciona e faz reformas.
Mas para as reformas funcionarem é preciso investimento. Investimento para reduzir o número de alunos por turma, para melhorar instalações e introduzir as novas tecnologias. Novas tecnologias que devem estar adaptadas e não podem ser vedadas aos alunos. Porque se for assim, não cumprem a sua função.
Para as reformas funcionarem é preciso também que os professores estejam abertos à mudança, que diversifiquem metodologias e façam da sala de aula um espaço aberto, participado. Que discutam para melhorarem o que fazem menos bem e para darem a conhecer aquilo que fazem bem e que os colegas ainda não sabem.
Devem publicar mais artigos sobre a prática pedagógica, devem trabalhar em grupo e contribuir efectivamente para a elaboração de um projecto educativo com aplicação prática, participado. Devem preocupar-se com a sua formação contínua, com a participação na alteração de currículos e na efectiva ligação da escola ao meio. Porque hoje a educação é feita ao longo da vida. Não é um processo
fechado.

João Ruivo
(ESE de Castelo Branco;
Director do Ensino Magazine)
Que formação afinal?
A formação contínua de professores é já uma realidade. Mas para alguns continua a ser uma utopia. A situação é grave porque as valências de formação vão mudar e o professor deve saber adaptar-se a outros saberes, a diferentes ciclos de ensino e a caminhar para a auto-formação.
Mas hoje vive-se um conflito. Quem decide as acções de formação contínua são os formadores, quando deveriam ser os professores a debater e decidir as áreas de formação. Por outro lado, quem escreve sobre formação de professores são aqueles que já não ensinam, que formam os professores para uma escola como eles a conheceram, a qual já não existe.
Urge então criar projectos coerentes de formação contínua. Se assim não for, a formação contínua não é uma utopia nem uma realidade, mas pura ficção. Os professores precisam então de autonomia na elaboração de projectos curriculares em partilha com os seus colegas, de prestar atenção às necessidades de alunos de diferentes culturas, de desenvolver uma cultura de avaliação do trabalho individual.
A classe docente tem de resistir contra a resistência à mudança, precisa de ser flexível à evolução e de ter uma grande abertura em relação às propostas e expectativas de participação dos alunos. Mas isso não é fácil quando se debatem com falta de protecção nas escolas, com horários inadequados, pressão dos pais e falta de recursos. Em suma, quando entram na curva do desencanto e caem na
desprofissionalização.
É preciso então trabalhar em grupo e dar valor ao factor humano. É preciso fazer uma auto-crítica e uma crítica da realidade das situações pedagógicas e persistir na ilusão da mudança.

Manuel Ferreira Patrício
(Universidade de Évora)
Humana é a cultura
O rumo à escola multicultural, pluridimensional, já não tem retorno. Apesar do progressivo desinvestimento do Estado português nesta área desde 1990, a terceira dimensão, ou seja, a interacções entre as dimensões curricular e extra-curricular não pára de crescer nas escolas. A dimensão sociológica entra então em confronto com a actual visão economicista da educação.
Hoje gasta-se muito dinheiro em educação, mas o aproveitamento qualitativo é muito fraco. Porque as pessoas se esquecem que o essencial não é ensinar mas aprender. E para isso é importante que haja liberdade e democracia na escola, que seja dada mais atenção à pessoa e ao meio.
Mas esta luta tem de partir das pessoas, de todas. Porque não é fácil dar atenção à pessoa e ao meio numa sociedade globalizada em que os Estados Unidos tentam promover a “hamburguerização” cultural da sociedade. Não é fácil quando a Alemanha tenta germanizar a cultura europeia e quando Portugal tem dificuldade em defender a sua cultura face à invasão da cultura espanhola.
Ora, a verdade é que somos todos de uma mesma cultura, a cultura humana. O homem é o único ser cultural e embora tenha de estar receptivo e compreensivo relativamente às outras culturas, não pode esquecer a sua cultura própria. Só a título de exemplo, dentro de um território pequeno como Portugal já existem culturas diferentes, a beirã e a transmontana...
É preciso respeitar estas diferenças e preservar cada uma delas. E só assumindo a sua individualidade se chega à multiculturalidade, ao reconhecimento do outro. Daí resultam os contactos entre as diferentes culturas e chegamos à
interculturalidade.

Américo Nunes Peres
(Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro)
Escola democrática
Depois da cultura dominante existente nos anos 60, rumou-se à ideia da igualdade de direitos entre todos os cidadãos das diferentes culturas, para se chegar ao direito à diferença, ao pluralismo dos anos 80. Hoje, a tendência é a do interculturalismo, da igualdade entre culturas, porque todos podemos aprender uns com os outros.
Mas se hoje se diz que todos somos iguais, Orwell já advertiu que uns são mais iguais que outros. No mundo globalizado há os que globalizam e os que são globalizados. Na escola, a igualdade também está no papel. Porque a escola obriga à cultura do individualismo e da competição.
A escola massificou-se ao permitir o acesso a todas as pessoas. Mas, no caso concreto português, levou também à desruralização, à desertificação, à marginalização nas franjas das grandes cidades. Porque não houve atenção à pessoa, mas ao conjunto de pessoas. Não se respeitaram as diferenças nem se tentaram integrar aqueles precisavam dessa integração.
Hoje sonha-se com uma escola diferente. Uma escola democrática, com igualdade, liberdade, respeito pela diferença, onde todos possam ser integrados. Uma escola de autonomia, onde esteja sempre presente a utopia da educação com todos, para todos e a favor de todos. Mas o problema é que, por enquanto, esta utopia não passa de isso mesmo.
É preciso então criar gabinetes de apoio à escola, adoptar novos manuais multiculturais, incluir as pessoas de diferentes culturas. Importa melhorar a comunicação na sala de aula, flexibilizar os currículos e olhar para as competências externas, emocionais e sociais, e não só para as cognitivas. E para que tudo isto funcione, o projecto educativo verdadeiro e participado é
fundamental.

Cristina Caruncho
(Universidade de Vigo)
Não tramem as
mulheres
A mulher continua a ser discriminada no mundo educativo e no mundo cultural em geral. Na escola, porém, a mulher tem vindo a ocupar progressivamente mais lugares. No ensino superior há um equilíbrio entre o número de alunos e de alunas. Entre os professores, nos ciclos iniciais as mulheres estão em maioria, no secundário há um equilíbrio e nas universidades não vão além dos 25 por cento.
Mas se na profissão propriamente dita é assim, em termos de lugares de direcção, na política, nas empresas ou no sistema educativo, os homens estão em larga maioria. A justificação mais comum é que a mulher prefere abdicar desses postos a favor da família e da casa, dos afectos.
Assim, como quem estabelece as linhas da educação são os homens, pode-se dizer que a escola permitiu que homens e mulheres se sintam co-educativamente juntos na escola, mas essa escola continua a transmitir uma cultura androcêntrica e patriarca, a reproduzir o discurso hegemónico.
Alguns estudos provam que homens e mulheres criam centros de interesses diferentes apesar de frequentarem a mesma
escola. O sentido de justiça, por exemplo será interiorizado de forma diferente pelos alunos e pelas alunas. Há quem defenda que, apesar da escola e a sociedade serem as mesmas, a socialização é feita de forma diferente.
Logo, sendo a escola e a sociedade androcêntricas e patriarcas, as mulheres, para terem sucesso, tiveram de se travestir de homens. Os homens por seu lado, pagaram um preço. Deixam de lado o campo dos afectos, que também é importante para a formação e realização da pessoa. Para superar esta dicotomia, hoje há quem defenda o regresso às escolas para alunos e às escolas para
alunas.
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